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A ameaça da inflação

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Por Redação
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A inflação continua ameaçando o poder de compra dos trabalhadores, mesmo com menor pressão dos preços dos alimentos. Os assalariados, sabe o presidente Lula, são os mais prejudicados quando sobe o custo de vida. Ele citou esse fato, há poucos dias, quando prometeu em discurso fazer o possível para conter qualquer escalada de preços. Mas ainda não foi além do discurso. A inflação, até agora, só tem sido levada a sério e enfrentada pelo Banco Central (BC). No Ministério da Fazenda, o repique inflacionário do início do ano é tratado como assunto vencido. Mas os números contrastam com a despreocupação exibida pelo ministro Guido Mantega e a maior parte de seus colegas do Executivo. Em abril, a folha de salários da indústria foi 0,4% menor que a de março, descontada a inflação, segundo o IBGE. Isso ocorreu apesar do aumento de 0,4% no contingente ocupado e de 0,1% no total de horas pagas. No mês seguinte, os indicadores de inflação mais conhecidos apontaram certo arrefecimento dos preços, mas os dados continuaram preocupantes. Em maio, as famílias com renda de até seis salários mínimos por mês pagaram 0,43% mais pelos bens e serviços consumidos, segundo a pesquisa do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Foi o menor aumento do ano, mas a repetição dessa taxa resulta em 12 meses numa inflação de 5,28%. A mesma alta foi observada no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como baliza para a política de metas de inflação. Esse indicador, baseado no consumo de famílias com ganho mensal de até 40 salários mínimos, acumula no ano um aumento de 3,09%. O centro da meta, 4,5%, só será alcançado se a inflação mensal média de junho a dezembro ficar em 0,2%, uma evidente impossibilidade. Mas o quadro é mais perigoso do que parecem mostrar esses números. No mês passado encareceram 60,94% dos itens do IPCA. Essa medida, conhecida como indicador de difusão, mostra a amplitude dos aumentos. A porcentagem apurada em maio foi a mesma de abril e um pouco menor que a dos meses anteriores, mas continuou muito alta, desmentindo a tese - sustentada no Ministério da Fazenda - de aumentos de preços confinados ao mercado de alimentos. Uma análise dos números mostra um cenário nada tranquilizador. Especialistas costumam avaliar a tendência geral dos preços por meio de um exercício de depuração. Nesse exercício, isolam de várias formas o chamado núcleo da inflação, retirando dos cálculos certos preços - como os de alimentos - ou as variações extremas. A análise, dessa vez, apontou uma tendência de aceleração inflacionária, embora o índice cheio (0,43%) tenha sido menor que o do mês anterior. Todas as medidas do núcleo obtidas pelo analista Rafael Bacciotti, da Consultoria Tendências, apontaram a tendência de aumentos mais frequentes. As variações encontradas ficaram entre 0,56% e 0,62%, todas maiores que as de abril. Se o ministro da Fazenda examinasse esses dados com alguma atenção, talvez se mostrasse menos tranquilo. O INPC e o IPCA são de responsabilidade do IBGE. As pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) também justificam muita cautela diante das pressões inflacionárias. Na primeira prévia de junho, o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) aumentou 2,21%. Os preços ao consumidor diminuíram 0,26%, por causa da deflação dos alimentos, mas os preços por atacado subiram 3,14%, prenunciando novas pressões sobre o varejo. A alta, dessa vez, foi causada pela variação dos preços industriais (4,16%) e das matérias-primas brutas (11,26%). O aumento do minério de ferro (75,25%) pesou na formação do índice e não se repetirá a curto prazo, mas deverá influenciar na formação de muitos preços. Os números do atacado confirmam a amplitude das pressões e desmentem a tese da inflação restrita aos alimentos. Há um evidente efeito da demanda sobre os preços e boa parte desse fenômeno é explicável pela expansão do gasto público. Para cumprir a promessa de conter a inflação, o presidente deveria frear as despesas federais, mas isso ele dificilmente fará, especialmente em ano de eleições.