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A aula do professor Mercadante

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Por Redação
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A presidente afastada Dilma Rousseff escalou Aloizio Mercadante para comentar as medidas de austeridade anunciadas pelo governo do presidente em exercício Michel Temer. A escolha de tão desastrada figura, responsável em grande medida pelo fiasco da articulação política do governo petista, mostra que Dilma não está nem um pouco preocupada em conferir credibilidade a seu shadow cabinet. Ao contrário, a ideia parece ser mesmo manter o padrão de embuste que marcou a trajetória de Dilma na Presidência. E Mercadante não decepcionou.

Sobre a proposta de emendar a Constituição para limitar o aumento dos gastos públicos – inclusive nas áreas de saúde e educação – usando como parâmetro a inflação do ano anterior, o ex-ministro de Dilma disse tratar-se do “maior retrocesso da história recente do Brasil na educação e na saúde”.

Para justificar o alarme, Mercadante citou números, porcentuais e cifras que nada dizem porque, a rigor, não se conhece ainda o teor da proposta. Do cume de sua ignorância sobre projetos ainda não redigidos, ele pontificou: “Se essa regra que eles estão defendendo tivesse sido aplicada nesses dez anos anteriores (período dos governos petistas), nós teríamos tido uma perda da ordem de R$ 500 bilhões em saúde e educação”.

Como não se sabe a qual regra o ex-ministro estava se referindo, pode-se presumir que o impressionante valor citado tenha sido fruto de sua imaginação fértil, mas nem sempre brilhante. Mercadante bem que tentou explicar de onde tirou os elementos de sua tenebrosa equação. Segundo o ex-ministro, “no governo da presidenta (sic) Dilma, nos últimos cinco anos, ela investiu R$ 54 bilhões acima do mínimo que a Constituição exige”, e seria esse valor que, multiplicado por sabe-se lá que fator, daria o tal prejuízo que ele mencionou.

Recorrendo a um popular chiste, pode-se “pedir ajuda aos universitários” para tentar entender a conta de Mercadante. Mas que não sejam universitários das universidades federais, que, a despeito do alegado investimento de Dilma, estão em estado de penúria. A pletora de dinheiro alardeada pelo diligente ex-ministro parece não ter acelerado o progresso da Educação nos tempos da “Pátria Educadora” de Dilma. Por falta de verbas – mas elas não sobravam? –, seu desgoverno suspendeu a concessão de novas bolsas para o Ciência sem Fronteiras. Outro programa considerado prioritário pelos petistas, o Pronatec, cortou em 57% o número de vagas oferecidas em 2015. E os estudantes de baixa renda que dependem do Fundo de Financiamento Estudantil(Fies) para pagar mensalidades em universidades privadas depararam-se com aumento dos juros e redução do prazo para quitação.

Quanto à saúde, a mais recente pesquisa do Conselho Federal de Medicina mostra que o SUS desativou mais de 23,5 mil leitos de internação na rede de hospitais públicos e conveniados entre dezembro de 2010 e dezembro de 2015, justamente o período em que, segundo Mercadante, Dilma investiu “bilhões” acima do exigido na Constituição.

A degradação da educação e da saúde vem ocorrendo de maneira sistemática nos governos petistas, mas mesmo assim Dilma e a trupe petista aboletada no Palácio da Alvorada acharam-se moralmente desimpedidos para alertar sobre os riscos de “retrocesso” nessas áreas.

Com ar grave, Mercadante disse que “neste momento de crise”, em que “tem desemprego” e no qual “as pessoas estão perdendo renda”, “muitas famílias estão saindo do plano de saúde particular” e “não podem às vezes pagar a escola dos filhos”, razão pela qual “aumenta a demanda por saúde e educação”. Enquanto isso, “eles” – o governo Temer – “estão propondo que o povo, através da saúde e da educação, pague a conta dos juros”.

Nem é o caso de notar o ato falho de Mercadante, que sem perceber admitiu a brutal crise legada pelo governo Dilma, com suas consequências funestas para os mais pobres. O mais importante é enfatizar o óbvio: que a retomada da austeridade fiscal, criticada pelos petistas, é a única saída para que o Estado retome as condições de fornecer os serviços que dele se espera. O resto é fantasia.