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A braveza de Doria

Chama a atenção o barulho feito por Doria nas demissões, o que sugere uma tática de aproveitar todas as ocasiões que se apresentarem para fazer uma espécie de marketing da autoridade

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Por Redação
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Enquanto dá clara preferência à política – concentrando seu tempo e sua energia na preparação de voos mais altos, de preferência à Presidência da República –, o prefeito João Doria parece querer compensar sua pouca dedicação à administração municipal com demonstrações de autoridade, demitindo ruidosamente auxiliares que estariam contrariando, a seu ver, diretrizes de seu governo. Não tem perdido oportunidade para mostrar-se um disciplinador inflexível.

O mais recente alvo de seu rigor, que parece calculado em termos de marketing político, foi o já agora ex-prefeito regional de Casa Verde/Cachoeirinha Paulo Cahim. Ele pagou por ter dito a verdade, demitido sumariamente, quinta-feira passada, depois de reclamar de falta de recursos para limpar um piscinão e de advertir que a região de que cuidava, na zona norte, poderá sofrer com enchentes nos próximos meses.

Em nota oficial, o governo Doria explicou que Cahim foi exonerado “por ter demonstrado inconformismo diante das dificuldades, em lugar de empenho e criatividade na superação de desafios, como exige a atual administração municipal de seus colaboradores”. O máximo que se pode reprovar ao ex-prefeito regional é a forma – manifestação pública – escolhida para dizer o que disse: durante uma reunião da Comissão de Finanças da Câmara Municipal. Mas que disse a verdade não parece haver dúvida. E não se sabe até onde o prefeito pretende chegar ao afirmar que “empenho e criatividade” podem resolver problemas de falta de recursos. Empenho e criatividade devem mesmo marcar a ação de administradores, mas eles têm limite, não são uma panaceia.

Pouco antes, no dia 11, o prefeito já havia mostrado sua braveza, de forma semelhante, ao demitir o engenheiro Alexis Beghini do cargo de responsável pela Coordenadoria de Projetos e Obras da Prefeitura Regional da Sé. O motivo foi o fato – revelado pelo jornal Folha de S.Paulo – de ele ser filho do executivo de uma empresa contratada pelo governo municipal para fazer coleta de lixo. Segundo a Prefeitura, a decisão foi tomada “para reforçar o compromisso com a lisura nos processos de fiscalização dos trabalhos de varrição”. Das duas uma: ou o governo Doria tem evidências ou provas de que Beghini não estava agindo com lisura – e portanto tem obrigação de divulgá-las –, ou não tem e se valeu do parentesco para criar um factoide, o que não seria um bom sinal.

Dia 8, Doria já havia demitido outro auxiliar importante, o que dá um total de três em pouco mais de uma semana: Lucas Tavares, chefe de gabinete da Secretaria Especial de Comunicação, que, como apontou reportagem do Estado, se mostrava disposto a dificultar o fornecimento de dados referentes à administração municipal por meio da Lei de Acesso à Informação. Por mais justificável que tenha sido tal decisão, chamou a atenção o barulho feito por Doria, o mesmo das outras duas demissões, o que sugere uma tática de aproveitar todas as ocasiões que se apresentarem para fazer uma espécie de marketing da autoridade.

Em vez dessa figuração, que certamente tem prazo de validade curto, o que os paulistanos esperam de Doria é sua presença à frente do governo, resolvendo de fato os muitos problemas que a cidade herdou da administração passada. Se faltam recursos à Prefeitura, como alegou um auxiliar demitido, que esse fato seja exposto à população em sua inteireza. Lembre-se que Doria, no início de seu governo, evitou revelar o déficit que herdou, para ser agradável com Fernando Haddad. Só em julho revelou que a Prefeitura não tem recursos para investir mais do que 18% dos R$ 5,5 bilhões previstos no orçamento. A manobra, evidentemente política, deixou muitos paulistanos em dúvida sobre a real situação das finanças municipais. As promessas de concessões e privatizações mirabolantes só agravaram as incertezas.

E está mais do que na hora de Doria se lembrar que foi eleito em primeiro turno, numa notável manifestação de confiança do eleitorado, para governar a cidade. Não para passar boa parte do tempo cuidando de voos políticos maiores.