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A breve trégua da inflação

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Por Redação
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Com o orçamento já muito estreito, as famílias podem nem ter notado, mas a inflação deu uma trégua em agosto, seguindo um roteiro parecido com o dos últimos anos. Será uma trégua muito breve, logo seguida por uma nova aceleração a partir do próximo mês. O ano terminará com uma taxa acumulada acima de 9%, segundo as projeções do mercado financeiro.

Fora do governo, a expectativa mais otimista, por enquanto, é de um recuo para cerca de 5,5% em 2016 – se nenhum grande susto ocorrer na economia ou na política. A nova prévia da inflação oficial ficou em 0,43% em agosto, segundo a pesquisa do IPCA-15, realizada entre o meio de julho e o meio deste mês. O número final, com divulgação prevista para o dia 10, deverá situar-se entre 0,16% e 0,41%, com mediana de 0,28%, de acordo com as estimativas de 22 instituições consultadas na sexta-feira pela Agência Estado.

Essa trégua, comum na passagem do primeiro para o segundo semestre, é uma rara notícia positiva no atual cenário brasileiro. Para setembro já se prevê uma taxa pouco mais alta, de 0,37%, e o ritmo deverá intensificar-se nos meses seguintes, até alcançar 0,65% em dezembro. O número acumulado em 12 meses será sempre superior a 9% até o fim de 2015 e só deverá recuar sensivelmente no próximo ano. Dois fatores deverão contribuir de forma importante para a mudança – a menor pressão dos preços administrados, como os da eletricidade, e a retração dos negócios. O desemprego, a erosão da renda familiar e o baixo nível de atividade na maior parte das empresas deverão frear a remarcação de preços. Os efeitos defasados da alta de juros integram esse quadro.

Os juros básicos serão mantidos em 14,25% pelo tempo necessário para frear a alta de preços e dirigir a inflação, com segurança, para a meta anual de 4,5%, disse na sexta-feira o diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Luiz Awazu Pereira da Silva. Esse comentário foi uma repetição da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária da instituição, órgão responsável pela orientação do crédito. 

Foi uma reafirmação oportuna: pelo menos o pessoal do BC parece ter um rumo bem definido, no meio da atual confusão da política econômica. Mas até esse rumo pode ser afetado pela ação voluntarista e errática da presidente Dilma Rousseff. Há menos de uma semana a presidente, politicamente acuada e em busca de qualquer apoio possível, determinou a abertura de crédito de bancos oficiais para alguns setores, a começar – como tantas outras operações de socorro – pelo automobilístico.

O ministro da Fazenda preferiu aceitar mais essa interferência desastrada. Os dirigentes do BC mantiveram-se discretos. Mas o diretor Luiz Awazu, na fala de sexta-feira, ao comentar dados econômicos regionais, voltou a citar a importância dos fatores políticos. Usou o eufemismo presente em textos do BC. Eventos “não econômicos”, disse ele, podem afetar tanto a formação de preços quanto a atividade, e os dirigentes do BC deverão continuar atentos também a esses fatores. Mas insistiu em mostrar otimismo, e mencionou uma “forte desinflação contratada para 2016”. Essa perspectiva, lembrou, já apareceu nas projeções do mercado, registradas na pesquisa Focus, a sondagem realizada semanalmente pelo BC.

Por enquanto, os sinais de arrefecimento da alta de preços apontam apenas, como disse um analista de banco, um retorno à normalidade de uma inflação na faixa de 6% a 6,5%. Essa tem sido, há anos, a normalidade brasileira. É uma condição compatível com a política de tolerância à inflação.

A tolerância pode ter diminuído a partir do ano passado, mas a insistência na meta de 4,5%, com margem de dois pontos, permite alguma dúvida quanto à disposição de cuidar do assunto com o rigor necessário. A dúvida é reforçada pelas intervenções da presidente, por sua fraqueza e, portanto, pela vulnerabilidade do governo às pressões contra medidas austeras. Os fatores “não econômicos” devem continuar extremamente importantes ainda por muito tempo.