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A Câmara não tem jeito

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Por Redação
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Os paulistanos parecem condenados a ter sempre surpresas desagradáveis – e caras – com a Câmara Municipal. Insensíveis às críticas, por mais pesadas que sejam, tanto à sua incapacidade de bem cumprir suas funções como à adoção de iniciativas extravagantes, e nunca baratas, os vereadores continuam impávidos a gastar de forma perdulária o suado dinheiro do contribuinte.

Têm eles uma penca de assessores, cujo número sempre querem aumentar um pouco mais, aprovam milionárias verbas publicitárias para “informar” a opinião pública e embelezar seu pífio desempenho e agora chegam ao cúmulo de, entre um serviço gratuito e outro pago, preferir este último. O serviço é de inegável interesse público, porque tem o objetivo de divulgar pela internet os projetos em tramitação na Câmara e colher as opiniões da população sobre eles – para aprová-los tal como estão, o que é raro, condená-los inapelavelmente ou sugerir mudanças destinadas a aprimorá-los.

Mas, como de hábito, mesmo quando acertam com uma das mãos, os vereadores – com as exceções de praxe – atrapalham tudo com a outra. Desde outubro, parte daqueles projetos está abastecendo o site Vote na Web/SP, da empresa Webcitizen, uma plataforma privada que custa à Câmara R$ 53 mil por mês, ou R$ 636 mil por ano. Em vez disso, poderiam ter optado – como recomenda o mais elementar bom senso e o cuidado que todo representante do povo deve ter com o emprego do dinheiro público – pelo site Eu Voto, de código aberto e, portanto, gratuito, desenvolvido pela organização sem fins lucrativos, e de âmbito internacional, Open Knowledge.

Como mostra reportagem do Estado, os dois funcionam da mesma maneira. Apresentam os textos dos projetos de forma clara e acessível, para atingir o maior número possível de paulistanos, com fotos temáticas e ilustrações que indicam como cada um deve participar. Há também espaços para comentários e informações sobre como chegar aos sites dos vereadores. Trata-se de um canal por meio do qual a população pode encaminhar aos vereadores as suas opiniões.

Em resumo, um importante instrumento democrático que os vereadores conseguiram – do que eles não são capazes? – macular com seu espírito mesquinho e seu desprezo pelo dinheiro alheio. O responsável pelo Eu Voto, Everton Zanella Alvarenga, diz que nos últimos meses tentou, sem êxito, encontrar o presidente da Câmara, vereador Antônio Donato (PT), para oferecer o serviço do site à instituição. Note-se que a utilização desse tipo de site gratuito está se difundido em todo o mundo, por razões óbvias, para a circulação de dados públicos.

A explicação da Câmara para a escolha do site pago Vote na Web/SP é que se trata de uma estratégia de marketing, já que ele tem 70 mil usuários na capital e o Eu Voto só mil e, além disso, ela usa o sistema para fazer publicidade de vários projetos. Acredite quem quiser. Para que serve, por exemplo, essa publicidade, se a função dos dois sites, o gratuito e o pago, é justamente dar informações detalhadas sobre os projetos? É fácil de imaginar também que, se a opção fosse pelo gratuito, seu número de usuários logo teria um aumento formidável, porque não falta da parte dos paulistanos vontade de participar da discussão de questões de seu interesse.

Há um detalhe que ajuda a explicar essa estranha escolha. A empresa Webcitizen – que, diga-se de passagem, está no seu legítimo papel de fazer negócio lucrativo – foi subcontratada pela agência de publicidade da Câmara, a Artplan, que recebe R$ 26 milhões por ano para divulgar o trabalho dos vereadores. É preciso mesmo muito esforço e imaginação, bem pagos, para engrandecer e alardear esse trabalho que deixa tanto a desejar. Nesse quadro – devem ter pensado os que decidiram pagar pelo que poderia sair de graça –, R$ 636 mil não faz grande diferença.

Seria bom que os paulistanos dessem uma resposta a essa gastança nas eleições do ano que vem.