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A cara do patrimonialismo lulista

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Por Ricardo Vélez Rodríguez
3 min de leitura

Mal começou a campanha eleitoral e os petistas mostram a que vieram. Isto é, vieram para culminar a obra de desmonte das instituições democráticas, mediante a definitiva consolidação do Estado patrimonial, submetido ao peleguismo lulista. Demétrio Magnoli identificou muito bem essa realidade (A escolha de Serra, 8/7, A2): "O lulismo não é a política macroeconômica do governo, tomada de empréstimo de FHC, mas uma concepção sobre o Estado. A sua vinheta de propaganda, divulgada com dinheiro público pelo marketing oficial, diz que o Brasil é um país de todos. Eis a mentira a ser exposta. O Estado lulista é um conglomerado de interesses privados. Nele se acomodam a elite patrimonialista tradicional, a nova elite política petista, grandes empresas associadas aos fundos de pensão, centrais sindicais chapa-branca e movimentos sociais financiados pelo governo."Lula e seguidores são caras de pau ao pretenderem vender aos eleitores uma continuidade patrimonialista com o falso nome de "democracia para todos". A candidata Dilma Rousseff não teve a menor vergonha em afirmar que o programa de governo apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral em 5 de julho não era para valer, tendo-o substituído por novo texto (e em 7/7 anunciou que sua campanha entregaria uma terceira e definitiva versão à Justiça Eleitoral contendo as sugestões de consenso dos partidos que compõem a coligação de sua candidatura, conforme publicado pelo Estado). Isso é fazer de todos nós, eleitores, um bando de ingênuos. Será que vamos engolir mais essa? Lula já tinha feito coisa semelhante quando revogou o programa do partido em 2002, a famosa Carta do Recife, substituindo-o, a toque de caixa, pela memorável Carta ao Povo Brasileiro, com base na qual desenvolveu a sua campanha. O problema é que Lula, Dilma e demais confrades não acreditam nas instituições democráticas. Guardaram dos seus anos de militância o menosprezo pelas denominadas "instituições burguesas", que, como ensinavam Marx e Lenin, deveriam simplesmente ser destruídas para erguer sobre as suas ruínas uma ditadura personalista.Lula acrescentou, sobre essa herança perversa do marxismo-leninismo inserida na ideologia petista, o componente populista. Para essa forma de fazer política o que importa é estabelecer uma espécie de "convívio emocional" entre o líder e o povão que ele diz representar, prescindindo das instituições. Como afirma um dos mais importantes estudiosos contemporâneos do fenômeno, o sociólogo francês Pierre-André Taguieff, na sua obra A Ilusão Populista (Paris, 2007), o líder populista é um demagogo cínico que apregoa a salvação do povinho destruindo as instituições democráticas. Isto é, nem mais nem menos, o que Lula tem feito: desmoralizar as instituições de direito, a começar pela representação política, pela Justiça, pela imprensa livre, pelos Tribunais de Contas e pela vida político-partidária, para, sobre as cinzas da anomia, erguer a sua figura de salvador da Pátria. O atual presidente não duvida um instante em comprometer a credibilidade da nossa diplomacia, tirando dela qualquer seriedade ao acomodá-la aos seus interesses populistas. Acaba de fazer isso na visita ao ditador e genocida Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, da Guiné Equatorial, alcunhando essa vulgar iniciativa de "pragmatismo".O "nosso guia" já tinha tomado atitude semelhante, em múltiplas oportunidades, ao longo dos seus quase oito anos de mandato, em face de outros autocratas, como o presidente do Sudão, ou saindo na defesa ardorosa dos populistas latino-americanos Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Corrêa, Daniel Ortega, para não falar da sua amizade incondicional com os irmãos Castro, que presidem a mais antiga satrapia ibero-americana. E por falar em sátrapas, Lula desmoralizou ainda mais a nossa política externa ao se alinhar, desavergonhadamente, com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, cuja legitimidade, nas eleições que o guindaram de novo ao poder, é questionada no próprio Irã e pela comunidade internacional. Tudo com a finalidade clara de deixar uma porta aberta para uma desvairada corrida atômica, banida pela nossa Carta Magna. Aliando-se a quem não deve, Lula terminou, de outro lado, brigando com quem não deve, colocando pedras no caminho de dois países latino-americanos que derrubaram as tentativas de tomada acintosa do poder por populistas ou totalitários: foram decepcionantes as reiteradas críticas do seu governo às ações empreendidas pelo presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, contra as Farc (ainda não consideradas terroristas pelo governo brasileiro), bem como a tragicômica encenação na embaixada brasileira em Honduras para prestigiar o golpista ex-presidente Manuel Zelaya, aliado de Chávez.Mas voltemos à nossa cena da campanha presidencial que começa. Como muito bem esclareceu o candidato José Serra, as diretrizes de um programa de governo são "a alma" do que se quer, e alguns pontos que constavam da primeira versão da equipe de Dilma são o que o PT realmente defende, "como a facilitação de invasão de terras". Ele citou, ainda, o controle da imprensa. "É tema em que a gente sabe o que eles pensam. Sempre que podem, isso é dito, depois eles vêm e corrigem." O que os adversários mostram, frisou Serra, "não são duas caras, são várias caras". E acrescentou: "Nós temos uma só cara, a minha cara." Garantiu em seguida que as diretrizes de seu programa foram "minuciosamente escritas".Como questionou Magnoli, terá Serra, neste momento, a coragem de apresentar a sua cara de estadista e denunciar a farsa petista que pretende dar continuidade, no Brasil, ao abjeto patrimonialismo, que pratica a privatização do Estado pela elite clientelista tradicional, pela nova elite sindical, pelas grandes empresas associadas aos fundos de pensão e pelos movimentos sociais financiados pelo governo?COORDENADOR DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS DA UFJFE-MAIL: RIVE2001@GMAIL.COM