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A China e a crise no Mercosul

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Por Redação
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O governo argentino conseguiu mais uma vez impor ao governo brasileiro sua política protecionista, recusando-se a eliminar as licenças não automáticas para importação de produtos fabricados no Brasil. As licenças para pneus foram abandonadas há pouco tempo, mas permanecem as barreiras a muitos produtos, como têxteis, confecções, calçados, brinquedos e equipamentos domésticos. Numa reunião em Brasília, autoridades comerciais dos dois países concordaram em concentrar a atenção num concorrente de fora do Mercosul, a China. Combinaram organizar missões comerciais e outras ações promocionais conjuntas para aumentar a presença de produtos argentinos e brasileiros no mercado chinês. A região exporta para a China principalmente produtos básicos, como mercadorias agrícolas e minérios. Os dois governos, segundo se anunciou, tentarão elevar as vendas de produtos mais elaborados. Com essa decisão, mais uma vez se deixou em segundo plano o problema das barreiras entre os sócios do Mercosul.O secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral, tentou discutir as licenças não automáticas de importação, segundo se informou em Brasília. Mas o assunto foi descartado pelo subsecretário de Política e Gestão Comercial do Ministério da Produção da Argentina, Eduardo Bianchi. Autoridades argentinas têm conseguido evitar essa discussão incômoda em todos os encontros com representantes do Brasil. O subsecretário Bianchi não realizou uma façanha excepcional. Notável, mesmo, foi a declaração dos dois funcionários: não há problemas setoriais de comércio entre os dois países, mas apenas "questões pontuais". As "questões pontuais" são barreiras inaceitáveis numa união aduaneira. O governo argentino ampliou as medidas protecionistas a partir do início da crise mundial, no segundo semestre de 2008. O governo brasileiro foi tolerante, como se esse tipo de complacência fosse saudável para o Mercosul, e o abuso aumentou. As autoridades argentinas passaram a demorar mais de 60 dias para conceder as licenças, ultrapassando o prazo admitido pelas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Empresários de vários setores se queixaram e o governo brasileiro foi forçado a dar alguma atenção ao problema. Não o resolveu, naturalmente. Forçado a tomar uma atitude, ensaiou a imposição de barreiras semelhantes a produtos argentinos, mas acabou recuando. Barreiras não são desejáveis, especialmente no interior de um bloco, mas a passividade brasileira, mantida por muito tempo, contribuiu para a desmoralização das normas comerciais no Mercosul. Com o tempo, e sem demonstrar a mínima pressa, as autoridades argentinas acabaram reduzindo o prazo para concessão de licenças. De fato, apenas se enquadraram numa regra internacional. A notícia foi comemorada, em Brasília, como se o comércio bilateral tivesse voltado à normalidade institucional. Não voltou até hoje, e o Mercosul continua sendo uma paródia de união aduaneira. Ações conjuntas para conquistar fatias do mercado chinês e para enfrentar a concorrência da China podem ter sentido, se os empresários e os governos do Brasil e da Argentina forem capazes de cooperar seriamente. Até agora, a cooperação tem sido muito menor do que poderia ser, se houvesse políticas efetivas de integração e de complementação produtiva. Uma das provas mais claras desse fracasso é a permanência, há muitos anos, de um comércio "administrado" no setor de veículos e peças. Essa "administração" - de fato, normas limitadoras das exportações brasileiras - está muito longe de uma integração industrial. Barral e Bianchi examinaram os desvios de comércio relacionados com a presença chinesa no Mercosul. Produtores brasileiros perderam participação no mercado argentino para os chineses. Produtores argentinos perderam fatias do mercado brasileiro para os exportadores da China. Há um problema comum e vale a pena buscar soluções conjuntas. Mas há uma diferença: na Argentina, os produtores brasileiros enfrentaram barreiras nos últimos anos e isso facilitou o avanço chinês. Brasília não deveria menosprezar esse dado.