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Opinião|A coisa mais inesperada que acontece a um país

Atualização:

O que têm em comum Brasil, Síria, Irã, Iraque, Sérvia, Iêmen, Egito, Bahrein, Arábia Saudita, Argélia, Hungria, Equador e Luxemburgo? São os únicos países do mundo que não têm idade mínima para aposentadoria. O caso brasileiro é excepcional.

Os países ocidentais que não optam pela idade mínima exigem tempo de contribuição maior, chegando a 45 anos até para mulheres. Exigências menores só nos referidos países do Oriente Médio e do Norte da África – alguns em guerra –, em que a previdência é quase uma ficção e está disponível para poucos. A exclusão de boa parte da população, juntamente com a expectativa de vida menor, explica as regras mais brandas. Com uma cobertura baixíssima, as despesas previdenciárias chegam a somar só 1% do PIB na Arábia Saudita.

Nesta comparação, há uma exceção. A ausência de idade mínima, com exigência contributiva menor que a brasileira, e numa previdência que de fato existe, é realidade no Grão-Ducado de Luxemburgo. Com território menor que o de qualquer dos 5.570 municípios do Brasil, o Grão-Ducado é o 2o país mais rico do planeta. Ainda assim, as regras generosas só valem para o benefício básico, bem abaixo da renda do país.

É claro que regras previdenciárias internacionais não devem ser importadas sem que se observem particularidades do Brasil. Mas a excepcionalidade do País nessa questão, destoando não só de países ricos, mas de países em desenvolvimento, sugere a insustentabilidade da ausência de idade mínima.

A idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição foi sugerida no início do ano, quando a presidente dizia que a previdência era “a questão mais importante para o País”. É provável que faça parte da inevitável nova reforma. Sua ausência não é exceção só na comparação internacional. Rejeitada nos anos 1990, ela existia até 1962: foi suprimida por João Goulart, mas sem que tenhamos ficado ricos como Luxemburgo.

A idade mínima, cada vez maior em vários países, é regra por causa do envelhecimento populacional, que não é exclusivo do Brasil, embora seja muito veloz por aqui. Ganhos expressivos na expectativa de sobrevida conjugados com quedas acentuadas na natalidade ocorreram quase no mundo todo, dando ensejo a ondas de reformas previdenciárias. Dentre centenas de leis previdenciárias em vigor, poucas são anteriores aos anos 90. Em 2011, auge da crise da dívida europeia, foram promulgadas não menos que 25 novas leis nacionais de previdência.

O aspecto estrutural do problema levou muitos países a buscar soluções de Estado. Na Espanha a reforma foi chamada de “pacto”: acordo multipartidário foi feito, buscando até evitar a exploração político-eleitoral do tema. Na Suécia os líderes da oposição foram chamados a integrar a comissão responsável por ampla e ousada reforma. No Japão há obrigação legal de a previdência ser reformada a cada cinco anos.

Outros países, também mais maduros demograficamente, não escaparam de fazer sucessivas reformas em governos de matizes ideológicos diferentes. A oposição assumia, mas a agenda continuava. Na França, na Itália e no Reino Unido, em graus variados, reformas tiveram de ser feitas seguidamente em pequeno intervalo de tempo, por governos sucessivos de direita e de esquerda. Na ditadura chinesa a demografia levou em 2015 ao fim da política do filho único.

Aqui a idade mínima tem esbarrado num argumento principal: ela prejudicaria os mais pobres, que começam a trabalhar mais cedo. Eles cumprem antes os critérios de 35/30 anos e teriam de esperar mais para receber o mesmo benefício de quem começou mais tarde. O argumento merece reflexão porque na prática os mais pobres já têm idade mínima para se aposentar.

A idade mínima não existe no Regime Geral só para a aposentadoria por tempo de contribuição. A maioria aposenta-se por idade, aos 65 anos (homens) ou 60 (mulheres). São os trabalhadores que não tiveram inserção contínua no mercado de trabalho formal e, logo, os 35/30 anos de contribuição. São os menos escolarizados, das ocupações menos produtivas e das regiões mais pobres do País. Foram mais suscetíveis ao desemprego e à informalidade: suas carteiras não foram assinadas por três décadas. Recebem como aposentadoria um salário mínimo.

Há ainda os que não conseguiram sequer o tempo contributivo para essa aposentadoria por idade básica, restando chamar de aposentadoria o que é, na verdade, um benefício assistencial (com idade mínima de 65 anos até para mulheres).

Uma “idade mínima” já existe atualmente, principalmente nas regiões mais pobres do País. A aposentadoria por tempo de contribuição sem idade mínima predomina no centro-sul do nosso grão-ducado: são 23% dos benefícios pagos no Rio Grande do Sul, mas só 7% no Rio Grande do Norte. No conjunto da população ela paga em média R$ 1.600 per capita em São Paulo, mas R$ 150 no Maranhão.

É justo que um benefício que exige mais e maiores contribuições pague mais. O que é discutível é a apropriação no debate do perfil do beneficiário mais pobre pelos que representam beneficiários em melhor posição na distribuição de renda. Não se pode rejeitar a idade mínima por ser prejudicial aos mais pobres se para os mais pobres ela já existe.

A mudança demográfica é um grande desafio. A população em idade ativa está se reduzindo significativamente em relação à população dependente e chegará a um idoso para cada três habitantes. Será um processo contínuo: não amanheceremos um determinado dia no futuro com um grave problema na previdência para resolver, pois ele vai chegar paulatinamente (se já não chegou).

“A velhice é a mais inesperada de todas as coisas que acontecem a um homem, disse Trotski. O envelhecimento parece chegar também a todos os países. Não podemos negar que chegará aqui, mas não de maneira inesperada. A idade mínima deverá ser parte da adaptação. Até mesmo no Grão-Ducado do Brasil.

*Pedro Fernando Nery é consultor legislativo de Núcleo de Economia do Senado (a opinião não reflete posição de seu empregador ou de outrem)

Opinião por Pedro Fernando Nery