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A Constituição da internet

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Por Redação
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Ao culpar o Google pelo que aparece no YouTube, determinando a prisão do diretor-geral da empresa no Brasil e a suspensão, por 24 horas, da divulgação de vídeo considerado ofensivo por um candidato à Prefeitura de Campo Grande, a Justiça Eleitoral de Mato Grosso do Sul mostrou a dificuldade de alguns setores da magistratura de entender o funcionamento das novas tecnologias de comunicação. Fundado há 14 anos por dois estudantes da Stanford University, o Google é uma multinacional de serviços online e software, que atua como mecanismo de busca de informações e hospeda uma série de serviços e produtos na internet. Com base em diferentes bancos de dados no mundo inteiro, o Google processa 1 bilhão de solicitações de pesquisa diariamente. Já o YouTube é um canal da internet especializado em divulgar vídeos, com audiência mundial. Esta não foi a primeira vez que o Judiciário brasileiro tomou uma decisão equivocada envolvendo as novas tecnologias de comunicação. Há seis anos, um juiz paulista ganhou as manchetes da imprensa mundial por ter determinado o bloqueio do acesso dos internautas brasileiros ao YouTube. Segundo ele, a medida foi tomada porque a empresa se recusou a tirar do ar um vídeo que exibia uma apresentadora de televisão e seu namorado. Por desconhecer o funcionamento da internet, o juiz não sabia que o YouTube, por ser uma empresa americana, estava subordinado às leis dos Estados Unidos. Para esclarecer problemas como esses no Brasil, que tem quase 70 milhões de internautas, várias escolas de magistratura incluíram tecnologia de comunicações no currículo. A Secretaria de Assuntos Legislativos, em parceria com a Escola de Direito da FGV, no Rio de Janeiro, foi além. Preparou um projeto de lei para disciplinar a utilização da internet no País. Chamado de Marco Civil da Internet, o projeto foi enviado para a Câmara e submetido à audiência pública, tendo recebido mais de 800 sugestões de aprimoramento. O texto também foi discutido pela internet, tendo registrado 12 mil acessos entre abril e maio. Dias antes de ser preso por ordem da Justiça Eleitoral de Mato Grosso do Sul, o diretor do Google e dirigentes do Facebook, uma rede social com 950 milhões de usuários no mundo inteiro, assinaram um manifesto apoiando a aprovação do Marco Civil. Inspirado na legislação americana, o projeto - que também é apoiado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - estabelece direitos e deveres para o uso da internet. Fixa sanções para quem violar sigilo de dados. Determina que os provedores na internet não são responsáveis pelo conteúdo publicado por seus usuários. E prevê que os provedores só responderão por informações postadas pelos usuários se não tirarem o conteúdo do ar após ordem judicial. Apesar de a comissão especial da Câmara ter marcado a votação do projeto na semana retrasada, ele acabou sendo retirado da pauta por falta de acordo entre as lideranças. Uma das divergências é relativa à guarda dos registros de acesso do usuário - o que permite identificar seus hábitos. Outra divergência gira em torno do "princípio da neutralidade da rede", segundo o qual não pode haver discriminação de usuário ou conteúdo. O governo quer que o controle da "neutralidade da rede" fique a cargo da Agência Nacional de Telecomunicações. Já os autores do projeto querem que o controle seja regulamentado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, integrado por 21 representantes de setores de telecomunicações. Eles ponderam, com razão, que quanto menos o governo interferir na regulação da internet, mais será protegida a liberdade desse meio de expressão e de seus usuários. Leis semelhantes ao Marco Civil também já existem na Europa. Na América Latina, o Chile foi o primeiro país a tomar essa iniciativa. Ao assegurar proteção aos provedores, o Marco Civil promove a liberdade de expressão, garante o acesso à informação e possibilita um diálogo virtual sem interferências, gerando com isso novas formas de mobilização social e atuação política. A aprovação do Marco Civil definirá as garantias, os direitos e deveres de todos - autoridades e usuários - que se valerem dos meios mais modernos de comunicação.