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A cota nos tribunais

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Por Redação
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Depois de ter adotado sistema de cotas para negros em concursos para escolha de seus servidores técnicos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução determinando que 20% das vagas em concursos públicos para juízes e serventuários judiciais, em todos os tribunais do País, sejam reservadas para negros. A proposta foi feita pelo presidente do órgão, ministro Ricardo Lewandowski, que também chefia o Supremo Tribunal Federal. Ao justificá-la, Lewandowski afirmou que havia prometido, em palestra proferida na Universidade Zumbi dos Palmares, estudar formas de implantar cotas raciais em todos os tribunais. A iniciativa, segundo ele, é a contribuição da Justiça para a “pacificação e a integração do País”. De acordo com o Censo do Judiciário, promovido pelo CNJ, a magistratura é uma carreira homogênea, predominantemente branca – dos 16.812 magistrados hoje em atividade no Brasil, 14% se dizem pardos e apenas 1,4% se declara negro. A resolução do CNJ só valerá para os novos concursos. Ou seja, as regras não serão aplicadas nos concursos cujos editais já tenham sido divulgados. No caso específico da magistratura, o sistema de cotas raciais ficará circunscrito aos concursos para ingresso na carreira. Os critérios de promoção de juízes de primeira instância para o cargo de desembargadores dos tribunais de segunda instância e de escolha de ministros dos tribunais superiores não foram alterados. Implementadas sob a justificativa de reparar “iniquidades e equívocos históricos em relação aos afrodescendentes”, as políticas de ação afirmativa – como é o caso das cotas – começaram a ser adotadas após a entrada em vigor da atual Constituição. Adotadas alegadamente para favorecer determinados grupos sociais, logo as cotas passaram a ser usadas com objetivos demagógicos que desfiguraram algumas políticas de ação afirmativa. Atualmente, as cotas são impostas tanto à iniciativa privada quanto ao setor público – inclusive às universidades, que deveriam ser instituições regidas pelo princípio do mérito. O sistema de cotas raciais é um paliativo para gargalos estruturais que deveriam ser enfrentados de modo mais efetivo. Os pobres enfrentam reconhecidas dificuldades não devido à cor da pele, mas ao fato de em geral só poderem frequentar escolas públicas que lhes transmitem uma fração das aptidões necessárias para se emanciparem socialmente. Assim, a reserva de vagas antes escamoteia o problema, sem resolver a notória questão da má qualidade da rede pública de ensino básico. É a educação deficiente que impede que os setores mais desfavorecidos da população tenham a formação necessária para participar com sucesso de concursos públicos, inclusive para a magistratura. Reservar vagas na administração pública para quem não tem preparo suficiente para passar em concursos acarreta a perda de qualidade dos serviços essenciais a que todos os cidadãos têm direito, prejudicando a sociedade. No caso do Judiciário, cuja atribuição é promover justiça, o problema tem contornos ainda mais graves. Se um juiz que entrou na carreira favorecido pelo sistema de cotas não tiver a mesma eficiência e precisão de um juiz que foi escolhido pelo princípio do mérito, certamente se tornarão flagrantes as injustiças no julgamento de conflitos que envolvem direitos e patrimônio dos cidadãos. Nesse caso, o juiz ineficiente será punido pela corregedoria judicial ou ficará imune, por ser “cotista”? Se for punido, a corregedoria poderá ser acusada de racismo? O sistema de cotas nos tribunais acarretará problemas graves que podem pôr em risco a segurança jurídica. O mais sensato para a correção de iniquidades históricas seria a mobilização da sociedade para obrigar o Estado a promover uma reforma qualitativa na rede pública de ensino básico. Só por meio de uma educação pública de qualidade é que o problema da desigualdade social será vencido. Quanto mais forem banalizadas as políticas de ação afirmativa, mais distante o Brasil estará daquilo que o presidente do STF chama de “pacificação e integração”.