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A crise dos leitores

A inclusão digital cada vez mais ampla e precoce, ao contrário do que se poderia supor, não vem acompanhada pelo aumento da qualificação dos jovens leitores

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Por Redação
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A inclusão digital cada vez mais ampla e precoce, ao contrário do que se poderia supor, não vem acompanhada pelo aumento da qualificação dos jovens leitores. A geração que tem sob os dedos um volume de informação jamais produzido ao longo de toda a experiência humana é incapaz de distinguir, em meio à torrente de dados que passa por seus smartphones, tablets e computadores todos os dias, o que é uma notícia de fonte confiável, um texto tendencioso ou uma simples mentira. É o que se conclui de uma pesquisa da Universidade de Stanford realizada entre janeiro de 2015 e junho de 2016 com 7.804 estudantes americanos de nível fundamental, médio e superior, de diferentes estratos sociais.

Os alunos foram submetidos a testes que os desafiavam a avaliar o grau de confiabilidade de uma determinada informação que lhes era passada. Evidentemente, para cada nível de escolaridade era esperado um resultado específico. No entanto, o que surpreendeu os pesquisadores foi o fato de todos os grupos – já consideradas as variações do grau de exigência – apresentarem um desempenho classificado por eles como “sombrio”. O resultado da pesquisa adquire especial projeção no momento em que a confiabilidade das informações no ambiente digital pauta o debate nos Estados Unidos após a eleição de Donald Trump.

Não é possível extrapolar o campo de observação adotado pelos pesquisadores da Universidade de Stanford para pautar uma reflexão acerca do desempenho dos estudantes brasileiros caso fossem submetidos aos mesmos testes. Entretanto, dado o volume de notícias falsas que provocam alto engajamento dos brasileiros em seus perfis nas redes sociais, especialmente durante eleições – a ponto de candidatos serem obrigados a criar sites apenas para a publicação de desmentidos –, é razoável supor que os resultados não seriam muito distantes dos observados pela pesquisa original.

A confiabilidade de uma informação era preponderantemente aferida por sua origem em publicações sólidas e facilmente reconhecidas, produzidas por jornalistas e corroboradas por especialistas nas matérias em foco. No ambiente digital, longe de qualquer regulamentação e, sobretudo, ética profissional, isso não é mais exigido, tanto de quem produz a “notícia” como de quem a consome. O futuro dirá se a profusão de informações e a amplitude de acesso a elas está forjando uma geração mais inteligente e informada ou mais ignorante e estreita, fechada em nichos por onde circulam informações que apenas reforçam convicções. Ter a exata dimensão deste problema hoje é o passo inicial para prevenir um futuro desolador em que milhões de jovens estarão inaptos a empreender o confronto de dados, passo fundamental para o processo de formação de conhecimento. Uma geração que cresce sem referências – até mesmo para contestá-las – é uma geração que respira por aparelhos.

Há alguns anos se fala em “crise do jornalismo”. É uma qualificação imprecisa para o momento por que passa a atividade jornalística. Dada sua natureza, ela é imprescindível para a vida em sociedade e assim sempre será. Não se pode pensar em uma sociedade livre e vibrante sem a produção de informações confiáveis, consistentes e contextualizadas. Os desafios da profissão e dos veículos de comunicação como modelos de negócios são de meio, não de fim. Talvez sejam mais fáceis de serem resolvidos do que a crise por que passam as novas gerações de leitores. Como a informação chegará a eles no futuro, certamente, ainda passará por um processo de transformação. O que se pode afirmar é que o jornalismo ainda será essencial enquanto houver sociedades organizadas.

A internet multiplica o intercâmbio de ideias e amplia o campo de debate na esfera pública, oferecendo amplas possibilidades para a transformação da vida social e política. Mas um ambiente livre de qualquer controle não está imune ao perigo da difusão de toda sorte de informação, incluindo mentiras e difamações. A desinformação é uma grave ameaça à democracia e não se pode descuidar disso.