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A crise no mercado de trabalho

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Por Redação
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Era previsível que, em algum momento, a persistência da crise – com a atividade econômica em desaceleração, a inflação em alta e a credibilidade do governo cada vez mais corroída por sua incompetência política e administrativa – acabaria por romper a resistência do mercado de trabalho, que continuava a apresentar bons indicadores. O que não se podia prever é que, rompida como foi essa resistência, a deterioração fosse tão rápida e ampla como está sendo. O grande temor é o de que, mantida a tendência atual por um período longo, se percam os avanços observados entre 2004 e 2014, em termos de emprego, renda, condições de trabalho e melhora das condições de vida de milhões de brasileiros.

Dados que, desde o início de sua apuração na década de 1990, mostravam aumento do número de empregados e da parcela protegida pela legislação trabalhista, passaram a registrar crescimento cada vez mais rápido do desemprego e do desalento da população. A renda do trabalho, que vinha crescendo em valores reais há vários anos, o que estimulava o consumo e, assim, sustentava o crescimento da economia, agora cai. E, segundo alguns cálculos, a queda é mais acentuada do que a registrada em 2003, no início do primeiro governo petista – o de Luiz Inácio Lula da Silva –, quando a economia estava estagnada e a inflação era de 9% ao ano, como hoje, mas o desemprego era muito maior.

Quanto ao emprego, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, que desde 1999 registra o número de empregos com registro em carteira profissional, aponta pela primeira vez na sua série saldos mensais negativos e sucessivos. Só neste ano, até maio, foram fechados 593,4 mil postos de trabalhos formais. É possível que o total de empregos formais extintos em 2015 alcance 900 mil.

O dado do Caged vai além da estatística, por si só já suficiente para mostrar a piora acentuada do mercado de trabalho. Ele aponta também para a deterioração da qualidade do mercado, pois à redução do número de empregos formais, que asseguram direitos e dão garantias aos trabalhadores, corresponde, em alguma medida, o aumento do número de trabalhadores informais, que não dispõem de nenhuma garantia e, muitas vezes, trabalham em condições precárias.

Outro indicador da piora da qualidade do emprego é a redução, há anos, do número de trabalhadores na indústria, mesmo quando outros setores contratavam. Por suas características, a indústria demanda profissionais mais preparados aos quais, por isso, oferece salários em geral mais altos do que os pagos por outros setores e tenta preservar em seus quadros enquanto suportar.

Mas o desemprego alcança com intensidade também o setor de serviços, o que mostra seu alcance e sua virulência. O desemprego só não é maior em alguns segmentos, como a indústria automobilística, porque empresas e empregados fizeram acordos que permitem afastamento temporário, redução de jornada com redução também do salário, entre outros mecanismos que evitam a demissão pura e simples. Mas mesmo empresas que recorreram a esses acordos começam a ser pressionadas pela necessidade de reduzir a folha.

O resultado óbvio, embora não imediato, é a redução da renda real de quem continuou empregado e da massa de salário real, isto é, o total de salários pagos. A queda de rendimento é impressionante. A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que, em maio, a renda média do trabalhador foi 5% menor do que a de maio do ano passado.

Quanto à massa salarial real, a queda entre novembro de 2014, quando alcançou seu maior valor em vários anos, e maio último (sem incluir o décimo terceiro salário) foi de 10%, como mostrou o jornal Valor. Na crise de 2003, queda dessa proporção só foi registrada num período de oito meses. Nem mesmo na crise de 2009 houve redução tão intensa. Para alguns economistas, os efeitos do desemprego e da queda da renda real sobre o consumo ainda estão subestimados. Se eles estiverem certos, o quadro ruim tende a piorar.