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A crítica dos mutirões do CNJ

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Por Redação
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Sob coordenação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), uma equipe de juízes, promotores e defensores públicos iniciou na semana passada mais um mutirão nas 149 unidades do sistema prisional paulista, que abrigam 170 mil presos. Desta vez, serão examinados os processos dos 94 mil presos que se encontram no regime fechado. A estimativa do órgão responsável pelo controle externo do Poder Judiciário é libertar 50 mil presos nos próximos cinco meses. Constituído por uma força-tarefa de 8 juízes e 15 serventuários judiciais, o mutirão anterior foi promovido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Iniciado em 2008 ele já examinou 39,7 mil processos e concedeu a progressão para o semiaberto e a liberdade condicional a 10,4 mil presos. Nos dois casos, a justificativa oficial foi a mesma - o CNJ e o TJSP alegam que muitos presos estão encarcerados indevidamente ou já teriam condições para reivindicar os benefícios previstos pela Lei de Execução Penal (LEP). Para os conselheiros do CNJ e para os juízes-corregedores da Justiça paulista, manter preso quem já cumpriu pena e manter em regime fechado condenados que já teriam direito ao semiaberto são motivos de insatisfação nas prisões, propiciando o surgimento de rebeliões. Oficiosamente, no entanto, a justificativa para os mutirões não é de caráter jurídico, mas de natureza econômica. Como o sistema carcerário tem um déficit de 170 mil vagas e a União e os Estados alegam não dispor de recursos para construir mais cadeias públicas e penitenciárias, os mutirões da Justiça se tornaram uma forma de amenizar o problema da superlotação dos presídios. O problema dessa estratégia é que ela tem resultado no aumento dos crimes violentos, pois as taxas de reincidência dos presos que voltam para as ruas, beneficiados por mutirões, são muito altas. Esse problema foi agravado pela revogação da obrigatoriedade do chamado exame criminológico, que permite ao juiz avaliar a personalidade e a periculosidade dos presos, antes de autorizar a progressão da pena. O exame deixou de ser obrigatório em 2003, com a entrada em vigor da Lei 10.792, que alterou a LEP. Pelas regras em vigor, os juízes criminais podem solicitar esse exame antes de conceder um benefício. Mas o Executivo nem sempre fornece os recursos técnicos e humanos necessários para sua realização. É por isso que advogados, promotores e magistrados experientes vêm questionando os resultados dos mutirões, alegando que são feitos somente com o objetivo de liberar vagas no sistema prisional e adiar os investimentos da União e dos Estados na expansão do sistema prisional. A discussão é antiga, mas sempre foi travada em termos doutrinários nos meios forenses. Com o mutirão iniciado dia 20 nas prisões paulistas, contudo, a polêmica ganhou uma nova dimensão. Numa iniciativa inédita, o desembargador Fábio Gouvêa renunciou à Coordenadoria Criminal e de Execuções Criminais do TJSP, em protesto contra o mutirão do CNJ nos presídios paulistas, e criticou duramente os critérios usados pelo órgão para libertar presos. Segundo Gouvêa, ao privilegiar presos do regime fechado, os mutirões devolvem às ruas criminosos que cometeram delitos graves e que não teriam condição de passar para o semiaberto, pelos critérios da LEP. "O CNJ jamais enfrentou uma realidade penitenciária como a de São Paulo, com mais de 170 mil presos. Com a metodologia do CNJ, da qual discordo em gênero, número e grau, a sociedade será prejudicada com a saída abrupta de pessoas que não têm condição de voltar à liberdade", afirmou. Essa foi a crítica mais contundente já sofrida pela política dos mutirões do CNJ. Para alguns conselheiros, o desembargador Fábio Gouvêa estaria agindo corporativamente, por estar "melindrado" com a entrada do órgão em sua área de atuação. O problema, na realidade, não é de melindre nem de animosidades corporativas, mas de realismo e bom senso. Gouvêa tem razão quando acusa o CNJ de subestimar os riscos de aumento dos crimes violentos, ao encarar os mutirões mais pelo viés econômico do que do ponto de vista da segurança pública.