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A democracia e as oposições

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Por Denis Lerrer Rosenfield
3 min de leitura

Os prognósticos são de uma vitória avassaladora da aliança governamental, capitaneada pelo PT e pelo PMDB. A eleição presidencial está praticamente decidida, salvo se houver algum fato novo que prejudique seriamente a candidatura Dilma. O episódio da Receita Federal, embora grave do ponto de vista da cidadania, não terá efeito eleitoral forte se não atingir um grão-petista diretamente envolvido na campanha presidencial. Não parece ser esse o caso mais provável.No que diz respeito à representação parlamentar, as oposições certamente perderão posições. O caso mais emblemático é o do Senado, onde lideranças oposicionistas encontram dificuldades para a reeleição, disputando, acirradamente, a segunda posição. Se esses prognósticos se confirmarem, torna-se evidente o enfraquecimento das oposições. Poder-se-ia dizer que elas estariam arrasadas, colocando o problema de uma revisão de suas posições e, mais concretamente, de uma eventual reconfiguração partidária.O PT e a base aliada, capitaneados por Lula, estão dando um espetáculo de competência. É bem verdade que o atual presidente agiu para lá do que seria recomendável a alguém no exercício de seu mandato, não tendo conseguido representar o papel de estadista. A questão, no entanto, não está aí, mas na incompetência das oposições, que sucumbem a seus próprios erros e concepções.Uma oposição que procura colocar-se como herdeira da situação exibe sua própria falta de ideias. Serra, em sua propaganda eleitoral, esconde o ex-presidente Fernando Henrique e exibe Lula em imagens televisivas. Se o eleitor prefere Lula, é evidente que votará em Dilma, que é a sua candidata. O ex-presidente Fernando Henrique, por sua vez, é tratado como se tivesse uma doença contagiosa, quando ele é, também, o responsável por vários empreendimentos bem-sucedidos do atual governo, como a política macroeconômica, o Bolsa-Família, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o saneamento dos bancos. O PT, sem reconhecê-lo, adotou uma política "neoliberal".Acontece que o próprio ex-presidente não escondeu sua satisfação quando Lula lhe sucedeu. Para além das questões pessoais, estava em jogo uma questão de cunho, digamos, doutrinário, como se o poder, enfim, estivesse passando de uma esquerda "social-democrata" para uma esquerda "sindical", que, progressivamente, se "social-democratizaria", aliando-se à sua predecessora no poder. A aliança não ocorreu, tendo o PT feito um governo pragmático em várias áreas, apesar de não ter efetuado nenhuma revisão de suas concepções. Com efeito, o atual governo loteou partes do Estado para as tendências mais radicais do partido e os ditos movimentos sociais, que são verdadeiras organizações revolucionárias. É o caso do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Incra, da Funai, do Itamaraty, de partes dos Ministérios da Educação e do Desenvolvimento Social.Outro resultado desse processo foi o não surgimento de uma direita moderna, defensora do Estado de Direito, da economia de mercado, da livre-iniciativa, do direito de propriedade, dos contribuintes e da democracia representativa. Os democratas (DEM) chegaram a trilhar esse caminho, mas terminaram pondo-se a reboque do PSDB. Para se viabilizarem eleitoralmente deveriam ter tido candidato próprio nesta eleição, uma cara nova, que criaria uma alternativa e teria um recall para as próximas eleições.Os tucanos não estão em situação muito melhor, apesar de poderem conquistar Estados importantes, como São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Acharam, anteriormente, que deter Estados importantes seria uma sólida alavanca para as eleições presidenciais. O prognóstico não se confirmou, entre outras razões, porque o PSDB segue sendo um partido basicamente paulista, sem visão e inserção nacionais.Logo, não deveria surpreender que o atual pleito presidencial tenha três candidatos petistas e um tucano, todos se reivindicando da esquerda. Dilma é PT, Marina foi PT até ontem, Plínio de Arruda Sampaio reivindica-se das bandeiras históricas do PT e Serra é, também, fruto desse mesmo imaginário político-social. Ademais, o PT cooptou a direita mais oligárquica, fisiológica, como os grandes caciques do Nordeste e do Norte do País. A "direita" está dentro da aliança governamental de "esquerda". Quem não se espelha nessa concepção não tem em quem votar!Criou-se, assim, uma grande preocupação no que diz respeito ao projeto hegemônico do PT, como se a democracia estivesse efetivamente ameaçada em nosso país. É bem verdade que existe uma ameaça real quando um partido se apodera de postos-chave do Estado, aparelhando-o e reduzindo as oposições a posição subalterna. Convém, porém, salientar que as próprias oposições são igualmente responsáveis por essa situação.O PT, por sua vez, não pode ser tratado ideologicamente como um bloco, abrigando tanto tendências reformistas e democráticas quanto revolucionárias e antidemocráticas. É forçoso reconhecer que o partido seguiu todas as regras democrático-representativas, apesar de procurar enfraquecê-las, por exemplo, com o "controle social da mídia", a democracia dita "participativa", os ataques ao direito de propriedade e a leniência com os ditos "movimentos sociais", chegando a financiá-los. O desfecho dessa luta interna em muito dependerá de nossas instituições e do papel que a oposição vier a desempenhar.Por último, a vitória do PT não é só do PT, mas da aliança governamental, sobretudo do PMDB. Embora este seja uma soma de partidos regionais de nítidos interesses fisiológicos, seu projeto não consiste na abolição da democracia representativa. Mesmo para a conservação do seu pior lado, a democracia representativa deve ser preservada. Quero dizer com isso que o PMDB poderá vir a exercer importante papel de moderação no próximo governo, compondo com o PT e com as oposições. E da renovação destas últimas dependerá a consolidação da democracia no País.PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR