Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A ditadura do algoritmo

Segundo a CE, o Google prejudicou centenas de empresas europeias ao favorecer, por meio de seu algoritmo de busca, o Google Shopping, ferramenta que compara preços para compras online

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Poucas criações do gênio humano registraram uma expansão tão vertiginosa como a internet nas últimas duas décadas. Estima-se que hoje 3,2 bilhões de pessoas – quase a metade da população mundial – estejam conectadas à rede. O surgimento de empresas como o Google, um dos gigantes norte-americanos do setor, foi determinante para esse crescimento em escala planetária. Menos como um corolário natural de um interesse cada vez maior despertado por um novo e revolucionário meio de interações – pessoais, profissionais, acadêmicas e econômicas –, a empresa atuou como seu próprio indutor. Não por acaso, a marca Google virou sinônimo de mecanismo de busca na internet. “Googlar” hoje significa “procurar” nos meios digitais.

Não seria exagero afirmar que o crescimento do Google, criado em 1996 por Larry Page e Sergey Brin, dois rapazes que estudavam Ciência da Computação na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, se confunde com o próprio crescimento e a popularização da internet. A pujança da empresa californiana, com pouco mais de 20 anos de atuação no mercado, pode ser atestada pelos números divulgados pela consultoria Brand Finance, que em um estudo publicado em abril deste ano apontou a marca Google como a mais valiosa do mundo, avaliada em US$ 110 bilhões – cerca de R$ 360 bilhões. A Alphabet Inc., holding que detém a marca, está avaliada em meio trilhão de dólares, segundo a Forbes.

O gigantismo econômico e a onipresença do Google no meio digital parecem ter elevado a empresa, aos olhos de seus controladores, a um patamar acima do bem e do mal, como se pudesse atuar livremente, pairando até mesmo sobre as leis de Estados soberanos. O choque de realidade foi dado agora pela Comissão Europeia (CE), que após sete anos de investigações aplicou uma multa de  2,42 bilhões à empresa – aproximadamente R$ 8,96 bilhões – por “abuso de posição dominante”. Segundo a CE, o Google prejudicou centenas de empresas europeias ao favorecer, por meio de seu algoritmo de busca, o Google Shopping, ferramenta que compara preços para compras online.

A multa é a maior punição econômica já aplicada por Bruxelas, superando a de 1,06 bilhão de euros imposta à Intel em 2009. De acordo com Margrethe Vestager, comissária de concorrência da União Europeia, a punição severa se justifica porque “o Google abusou de sua posição dominante ao promover seu próprio serviço de comparador de preços, o que é ilegal à luz das regras europeias”. Até 2008, quando o Google Shopping entrou em operação na Europa, havia cerca de 400 empresas provendo o serviço no continente, segundo Eric Léandri, presidente da associação Open Internet Project. Hoje não chegam a duas dezenas.

A decisão da Comissão Europeia abre um importante precedente para o saneamento das atividades comerciais no ambiente digital. O próprio Google já é alvo de outras investigações no âmbito da entidade por suposta concorrência desleal envolvendo sua ferramenta de venda de passagens aéreas, o Google Flights, e de geolocalização, o Google Maps.

Além da dimensão econômica, a punição enseja o debate acerca de uma espécie de ditadura dos algoritmos imposta por esses gigantes do setor. Por meio de complexas e inexpugnáveis formulações matemáticas, essas empresas filtram o conteúdo de informação que deve chega aos consumidores, exercendo uma perigosa curadoria das informações que circulam pelo meio digital, cada vez mais presente no dia a dia das pessoas.

Quando começaram as investigações sobre os métodos de concorrência desleal do Google, ainda sob o governo de Barack Obama, a iniciativa europeia foi tomada como uma “penalização do talento e da iniciativa de jovens americanos”. Concretizada a punição, resta aguardar como reagirá o presidente Donald Trump, que já demonstrou forte disposição de incrementar a animosidade entre seu país e a Europa.