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A farra dos partidos

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Por Redação
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Uma democracia só é digna desse nome quando estimula a participação política organizada, razão pela qual não se deveria considerar a criação de novos partidos um problema. No entanto, esse princípio está sob permanente desmoralização no País, uma vez que aqui o sistema representativo ameaça se tornar mero simulacro da relação promíscua entre o governo e sua bancada no Congresso. O mesmo governo que defende com ardor uma "reforma política", com o alegado objetivo de pôr um fim a essa barafunda, é justamente aquele que, nos bastidores, incentiva os mascates da política a inventar novos partidos e, assim, ampliar as possibilidades de formar sua clientela, para depender menos ou mais deste ou daquele grupo do Congresso. O recado foi plenamente entendido por oportunistas de variados quilates - e a consequência disso é que há mais de 40 partidos na fila da Justiça Eleitoral à espera de autorização para se juntar aos 32 já existentes. Como informou o jornal Brasil Econômico, pode haver ainda mais partidos com pedidos de criação em análise, porque nem todos os tribunais regionais eleitorais divulgam as solicitações. É, portanto, um verdadeiro nicho de mercado, porque, em primeiro lugar, cada uma dessas legendas terá direito a um pedaço do Fundo Partidário, constituído de recursos públicos que são distribuídos a todos os partidos, mesmo àqueles que não conseguiram eleger ninguém. E não se trata de uma dotação qualquer. O Fundo Partidário superou R$ 300 milhões no ano passado, e os partidos sem voto chegaram a receber algo entre R$ 500 mil e R$ 800 mil. Para isso, bastou-lhes ter estatuto registrado no Tribunal Superior Eleitoral e prestar contas regularmente àquela corte. Não existe nenhuma cláusula de barreira, como as que vigoram nas melhores democracias. Some-se a isso a possibilidade de obter preciosos segundos de propaganda eleitoral no rádio e na TV, que serão negociados a peso de ouro com as legendas maiores, e o resultado são coligações eleitorais que se expressam por meio de uma sopa de letrinhas que nada dizem sobre a plataforma política desses consórcios, restando apenas a sensação de que seu único objetivo é eleitoreiro e pecuniário. Entre os partidos que esperam se regularizar e participar desse festim aparece, por exemplo, o Partido Nacional Corinthiano, que diz defender "uma nova forma de organização social, esportiva e democrática". Há também o Partido da Mulher Brasileira, para o qual "a Nova Ordem Mundial será menos masculina", e o Partido Militar Brasileiro, que considera "vagabundos" os beneficiários do Bolsa Família. A fila inclui ainda o Partido Popular de Liberdade de Expressão Afro-Brasileira, o Partido de Representação da Vontade Popular e o Partido da Construção Imperial. Parece que o único limite é a criatividade. Mas esse pastelão partidário inclui raposas felpudas que nada têm de folclóricas - e que exploram a facilidade de criar partidos para oferecê-los a parlamentares dispostos a trocar de legenda e, assim, embarcar no governismo sem correr o risco de perder o mandato. O melhor exemplo é Gilberto Kassab, aquele que não é nem de direita, nem de esquerda, nem de centro e que se tornou uma espécie de Henry Ford do Congresso, ao inventar uma linha de montagem de partidos para atender aos interesses do governo. Seu esforço empreendedor foi recompensado pela presidente Dilma Rousseff com o vistoso Ministério das Cidades. O chamado "presidencialismo de coalizão", aperfeiçoado pelo lulopetismo, é a expressão que resume o espírito desse jogo. Não é por outra razão que nada menos que oito partidos foram criados desde que o PT chegou ao poder, em 2003, e ao menos metade deles é de legendas de aluguel. É claro que nem todos os novos partidos pretendem se prestar ao papel de meros mercadores de voto no Congresso. O problema é que, a essa altura, fica muito difícil distinguir quem pretende fazer política legítima daqueles que querem somente participar do feirão governista - e, de quebra, levar um capilé do erário.