Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A fome e a vonta de comer

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

O acordo de leniência que a Odebrecht e a Braskem fecharam com autoridades judiciais do Brasil, dos Estados Unidos e da Suíça revelou que a empreiteira e sua subsidiária do setor petroquímico pagaram cerca de US$ 788 milhões em propinas desde 2003 — ano em que o PT chegou à Presidência — para ganhar contratos de obras em 12 países. O valor e o alcance do esquema de corrupção envolvendo a Odebrecht, considerado pelos norte-americanos como o maior da história, denotam que não se tratava de algo acidental ou eventual. A compra de agentes públicos no Brasil e no exterior para obter contratos era, de fato, um método de administração rotineiro, que contava até mesmo com um departamento específico dentro da empresa para a realização dessas negociatas.

“A Odebrecht e seus coconspiradores criaram uma estrutura secreta financeira que operou para contabilizar e desembolsar pagamentos de propina em benefício de políticos, partidos e candidatos”, diz o documento do Departamento de Justiça americano. Ou seja, no entender daqueles investigadores, a empresa não foi mera vítima de um sistema corrupto, e sim um de seus pilares. Como afirmou o jornal Financial Times, “a Odebrecht, o maior grupo de construção da América Latina, corre o risco de ser mais conhecida por criar uma das maiores máquinas de suborno da história corporativa”.

Essa constatação desmancha uma linha de defesa usada pela Odebrecht. A empresa buscou retratar sua participação no esquema de assalto aos cofres públicos durante os governos petistas como algo quase inevitável, pois, segundo essa versão, seria praticamente impossível fazer negócios com o Estado sem recorrer ao pagamento de subornos. Logo, a Odebrecht, a exemplo das demais empreiteiras envolvidas na Lava Jato, seria vítima, e não mentora, de um sistema ubíquo de corrupção. Foi isso o que a empresa sugeriu quando mandou publicar um pedido de desculpas por sua participação no escândalo, dizendo que cedeu a “pressões externas” e prometendo não tornar a “invocar condições culturais ou usuais do mercado como justificativa para ações indevidas”.

Ora, não pode se dizer simples subsidiária do poder político uma empresa que subornou autoridades do Brasil, Angola, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela. O pagamento sistemático de propinas nesses países resultou em contratos de cerca de 100 projetos, vários deles financiados por bancos públicos brasileiros e que renderam US$ 3,336 bilhões à empreiteira. Nas contas do Ministério Público da Suíça, para cada US$ 1 milhão “investido” em suborno, a Odebrecht teve US$ 4 milhões em contratos.

Em sua defesa, contudo, deve-se enfatizar que, nesse caso, a fome coincidiu com a vontade de comer: a Odebrecht construiu esse esquema muito bem-sucedido de corrupção porque encontrou, no governo petista, o comparsa ideal para tal empreendimento. 

Se de um lado havia um clube de empresas, lideradas pela Odebrecht, cujo objetivo era monopolizar os preciosos contratos com o governo, de outro havia um governo que tinha um projeto de poder sem paralelo na história brasileira. Esse projeto dependia de amplo e permanente financiamento, que só se tornou possível graças ao acesso fácil ao dinheiro público, desviado na forma de contratos superfaturados com as empresas do tal clube.

Felizmente, por conta da Operação Lava Jato, toda essa farsa ruiu. De um lado, desmoronou o partido que pretendia eternizar-se no poder corrompendo a democracia; de outro, a Odebrecht, ante a perspectiva de insolvência, admite agora publicamente seus crimes, aceita pagar uma multa de R$ 6,9 bilhões — o maior valor já fixado em casos de corrupção em todo o mundo — e promete se regenerar. 

Embora dramáticos, esses acontecimentos certamente apontam para um país melhor, em que a corrupção não seja mais encarada como algo natural, cultural ou inevitável no relacionamento entre empresas e o poder público.