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A formação dos policiais

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Por Redação
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O número muito elevado de pessoas mortas em confrontos com a Polícia Militar (PM) em São Paulo, apesar dos esforços feitos nos últimos anos para reduzi-lo e de alguns avanços obtidos nesse sentido, não deixa dúvida de que falta ainda um bom caminho a percorrer para resolver esse problema. Ele afeta a credibilidade da polícia e a relação entre ela e a população. A confiança que deve existir entre elas fica comprometida, o que acarreta sérios prejuízos ao combate ao crime.

Segundo reportagem do Estado, com base em dados da Secretaria da Segurança Pública, foram registradas 532 mortes em consequência de intervenções de PMs em serviço entre janeiro e novembro de 2015. Em comparação com igual período de 2014, quando foram notificadas 610 mortes, houve uma redução de 12,8%. Já com relação a todo o ano de 2006, com 495 mortos, a comparação é desfavorável. Ela é importante porque esse ano foi marcado – em especial o mês de maio – por violentos confrontos entre polícia e bandidos, provocados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).

A Secretaria prefere a comparação entre 2014 e 2015. Não só porque é mais atual, como também porque, a respeito de 2006, considerando-se o efetivo policial e a população de então, a seu ver não houve agravamento da situação. A verdade é que o mais importante nesse caso não é nem uma nem outra comparação. Independentemente delas, o número de mortos em confrontos com PMs – ou como tais registrados por eles – é excessivamente alto. Mesmo levando-se em conta – como lembrou no final de 2014 um dos mais respeitos especialistas em segurança pública, José Vicente da Silva – que “há um fato pouco enfatizado, que o Brasil é o País que tem a maior quantidade de policiais mortos no mundo”.

Não se pode menosprezar o excelente serviço prestado pela maioria dos policiais, com o alto risco de vida inerente à sua profissão. Como não se pode também fechar os olhos ao outro lado da questão. Por isso tem razão igualmente o ouvidor da Polícia de São Paulo, Júlio César Neves – alguém insuspeito de parcialidade, portanto –, quando diz, referindo-se às 532 mortes de 2015: “O número de casos é espantoso, qualquer um fica perplexo”. Trata-se de algo inaceitável, principalmente levando-se em conta que não é novo, vem de longe, como mostram as estatísticas da própria Secretaria. Resulta de atitudes e comportamentos arraigados, que as autoridades da área têm grande dificuldade em mudar.

Tentativas têm sido feitas nesse sentido. Uma das mais importantes foi a resolução baixada em janeiro de 2013 pela Secretaria. Ela regulamenta o atendimento de pessoas feridas em decorrência de crime: não proíbe que policiais lhes prestem socorro, quando isso é indispensável para salvar vidas, mas estabelece que a prioridade é dos serviços médicos e paramédicos de urgência, como o Samu. O objetivo é preservar a cena do crime, evitando que seja alterada por maus policiais a fim de eliminar provas que os incriminem ou a colegas seus, como é sabido que acontece. Parte das mortes registradas como sendo consequência de confrontos com a PM tem origem nessa prática criminosa.

Por esse e outros meios de controle, as autoridades vêm se esforçando para punir policiais que se desviam do bom caminho – as ovelhas negras que existem em todas as polícias. Se mesmo assim os números continuam desanimadores é porque não se tocou ainda num ponto essencial – o da formação dos policiais.

A PM tem de submeter seu efetivo a um treinamento muito mais rigoroso que o atual, de forma a levar seus membros a respeitar estritamente, nos limites da lei, os procedimentos que devem nortear sua ação. Para isso, como toda força aquartelada, ela tem de obedecer à risca o princípio da disciplina, o que seus desvios mostram que nem sempre acontece. Esse é um trabalho longo e difícil. Mas sem ele, por maior que seja o empenho na punição dos maus policiais, os resultados serão limitados, porque eles continuarão a proliferar.