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A frágil saúde municipal

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Por Redação
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A “quarteirização” de partes da rede pública de saúde municipal – com a contratação de médicos de clínicas particulares pelas unidades gerenciadas por Organizações Sociais (OSs) que já são a terceirização do serviço – é mais uma demonstração da fragilidade desse setor vital da administração, despreparado para enfrentar situações de emergência. Foi principalmente para enfrentar o surto da gripe H1N1, que está assustando os paulistanos, que a Secretaria Municipal de Saúde autorizou – em princípio em caráter excepcional – a adoção desse tipo de procedimento. Reportagem do Estado mostra, com base em dados oficiais constantes do site da Prefeitura, que os plantões vagos na rede terceirizada, para os quais devem ir os médicos “quarteirizados”, já são 662, de várias especialidades, sendo 273 para atendimento infantil. O déficit desse pessoal, especialmente grave na zona leste, atinge todas as regiões da cidade. Os médicos são contratados como pessoa jurídica (PJ), portanto sem necessidade de qualquer outro tipo de vínculo com a rede pública, além desse, que é precário. Eles estão assumindo plantão, em geral à noite e em fins de semana, em unidades de Assistências Médicas Ambulatoriais (AMAs) e prontos-socorros, com remunerações de R$ 110 a R$ 130 por hora de trabalho, sem descontos. Exemplos de AMAs que já contam com seus serviços são as do Parque Anhanguera, na zona oeste, e Waldomiro de Paula, na zona leste. Estão funcionando dentro do novo modelo 152 plantões de pediatria, o mesmo devendo acontecer em breve com outros 264, números que dão uma ideia da amplitude que ele deve adquirir. O superintendente de uma das maiores OSs em atividade na capital, a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), Mário Monteiro, confirma que foi a Prefeitura que solicitou a contratação de médicos na forma de PJ, para preencher as vagas existentes, porque a regra de sua entidade é que isso seja feito de acordo com a CLT. É compreensível que a Prefeitura apele para a quarteirização, tendo em vista a coincidência do déficit de médicos na sua rede de saúde com o surto da gripe H1N1. Essa combinação leva a um quadro de emergência que pode justificar aquela providência, mas em caráter extraordinário e passageiro. Pessoas que dependem da rede municipal, ouvidas pela reportagem, aprovam a medida, porque para elas o mais importante, de imediato, é serem atendidas. Mostra a experiência, porém, que o provisório tende a se tornar permanente, quando não cercado dos necessários cuidados, porque se torna uma solução de facilidade. É preciso atentar para esse perigo, porque a quarteirização tem defeitos graves que, restabelecida a normalidade, poderiam causar sérios danos à rede de saúde municipal. Um especialista na questão, o prof. Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina na USP, depois de reconhecer que ela pode de fato resolver um problema emergencial, adverte que sua permanência será péssima. Os médicos assim contratados, diz, “são totalmente desconectados da rede municipal. Quanto mais intermediários contratados, menor vai ser a capacidade de controle da carga horária, da produtividade”. Já o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Eder Gatti, chama a atenção para o que considera precarização desses profissionais: “É horrível, porque ele não tem garantia nenhuma. Se se acidentar no trabalho ou não receber o pagamento, não tem a quem recorrer”. Uma situação que, deve-se acrescentar, pode ter reflexos na qualidade do serviço. Outro aspecto da questão – o mais grave – é que a quarteirização só se tornou necessária como consequência das notórias deficiências da rede municipal, que mal consegue manter um atendimento que já deixa a desejar. Enfrentar uma emergência, então, nem se fala. Esse fato deveria servir, portanto, para uma reavaliação em profundidade desse setor, que nem mesmo com o modelo mais ágil das OSs, que vem do governo anterior, tem conseguido fazer a contento o que dele se espera.