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A grande ressaca europeia

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Por Redação
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Para alívio geral, o euro ganhou uma sobrevida, mas a Europa enfrenta uma ressaca política e financeira, depois da reunião de cúpula da sexta-feira passada. Enquanto os líderes avaliam as consequências do isolamento britânico - só o primeiro-ministro David Cameron ficou fora dos acordos de Bruxelas -, os mercados cobram ações de curtíssimo prazo para complementar o pacote fiscal aprovado de forma definitiva ou condicional por 26 dos 27 governantes da União Europeia. Na sexta-feira os investidores celebraram nas bolsas o relativo sucesso da reunião. Na segunda-feira, já na fase da ressaca, as atenções se voltaram para o outro lado do problema, isto é, para a grande questão não resolvida - o reforço imediato dos mecanismos de segurança contra calotes das dívidas soberanas, especialmente da Itália e da Espanha. Na terça, os humores mudaram de novo e o otimismo foi reforçado por leilões bem-sucedidos de títulos públicos de vários países. A ressaca passará, mas os mercados continuarão ciclotímicos enquanto os programas de estabilização de longo prazo não estiverem em pleno funcionamento. Apesar da tensão nas bolsas, houve boas notícias no começo da semana. Governos conseguiram rolar suas dívidas em condições melhores que as das últimas semanas. Na terça-feira, o Tesouro espanhol vendeu 4,9 bilhões em títulos de 12 e 18 meses, com juros abaixo dos fixados em outros leilões. O volume comprado foi maior que o oferecido inicialmente. Os governos da Hungria e da Bélgica também realizaram boas vendas, em condições iguais ou melhores que as obtidas em operações anteriores. O Tesouro grego rolou o necessário, embora com juros ligeiramente mais altos. Outro bom resultado foi obtido pelo fundo de resgate - a Linha de Estabilidade Financeira Europeia - com a captação de 2 bilhões no mercado. O Banco Central Europeu (BCE) voltou a comprar papéis da Itália e da Espanha no mercado secundário. Esse tipo de operação tem sido importante para garantir liquidez aos títulos soberanos e para dar algum alívio aos Tesouros. Mas haverá limites para as compras, advertiu na semana passada o novo presidente do BCE, Mario Draghi. Além disso, o banco não deverá transformar-se em financiador de última instância dos governos. Essa orientação, defendida principalmente pelo governo alemão, prevaleceu na reunião de cúpula. Foi uma notícia ruim para os investidores e credores das dívidas soberanas e isso explica, em parte, as manifestações de mau humor na fase de ressaca. O BCE tem sido um importante fator de estabilização nos momentos de maior insegurança e é a instituição mais preparada para missões de socorro urgente. Além disso, pode emitir moeda e por isso dispõe, pelo menos no curto prazo, de um poder de fogo respeitável. Seria necessário, é claro, neutralizar o efeito inflacionário das emissões, mas esse detalhe nem sempre é lembrado. No entanto, funcionar como emprestador de última instância para os Tesouros não faz parte do mandato do BCE, têm advertido políticos e especialistas. A ressaca política também tem sido intensa. No Reino Unido, o vice-primeiro-ministro, Nick Clegg, criticou a decisão de David Cameron de vetar os acordos negociados em Bruxelas. Cameron justificou a iniciativa como necessária para salvaguardar o setor financeiro britânico. Faltavam garantias na reforma proposta pelos governos da Alemanha e da França, argumentou. Mas o Reino Unido, segundo ele, tem interesse em continuar no bloco. A crítica de Clegg apenas explicitou mais uma vez a diferença entre os componentes da coalizão de governo - liberais muito mais favoráveis que os conservadores a uma integração europeia mais completa. O isolamento britânico foi condenado também no continente. A partir da reunião de cúpula, há claramente, disse o presidente francês, Nicolas Sarkozy, duas Europas, "uma em busca de maior solidariedade e maior regulação e outra presa à lógica exclusiva do mercado único". "Mas", acrescentou, "nós precisamos da Grã-Bretanha." A conferência de sexta-feira criou algumas das condições necessárias para remendar as finanças europeias. Mas abriu - ou ampliou - uma brecha política e acrescentou um item à lista dos consertos necessários.