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A história se repete

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Por Redação
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"Quem trabalha com o que gosta constrói uma vida de sucessos", ensina o senador Gim Argello, do PTB do Distrito Federal (DF). E ele tem o próprio exemplo a oferecer para provar que a máxima procede - desde que, naturalmente, não se entre no mérito das atividades que lhe aprazem e que o tornaram, no tempo recorde de 3 anos, um dos integrantes mais bem-sucedidos do Congresso Nacional. É de fato notável, embora não propriamente edificante, a ascensão desse corretor de imóveis nascido em São Vicente, no litoral paulista, que encontrou em Brasília o ambiente adequado às suas inclinações mais profundas. Ali ele fez carreira política à sombra do notório Joaquim Roriz, cuja ficha o impediu de se candidatar este ano, pela quinta vez, ao governo do DF. As afinidades entre ambos fizeram Roriz escolhê-lo como suplente ao se candidatar ao Senado em 2006. Sorte de Argello: no ano seguinte, quando o padrinho teve de renunciar para não ser cassado por diversas malfeitorias, uma das quais o negócio escuso com um cheque de R$ 2,2 milhões, ele herdou a sua cadeira. Nela não teria permanecido, porém, fosse outro o senso ético dos seus pares. Afinal, o biônico foi investigado como intermediário da mesma transação e suspeito de outras irregularidades, ao tempo que era parceiro de Roriz, como seu secretário do Trabalho e presidente da Câmara Distrital. Quem sabe os senadores acharam que não valia a pena criar um novo caso com um colega que não parecia ter luz própria. Se disso se tratou, não sabiam com quem estavam lidando. Enquanto multiplicava o seu patrimônio pessoal e via prosperar a agência franqueada dos Correios no DF da qual a sua mulher é sócia, Argello pôs-se a percorrer com afinco, habilidade e discrição os caminhos do poder no Senado e no Planalto.Humilde diante dos sobas da Casa, o presidente José Sarney e o ex-presidente (renunciado) Renan Calheiros, e leal ao governo, o senador sem votos conseguiu ser indicado relator da Comissão Mista responsável pela versão final do Orçamento da União para 2011. Aprovar o Orçamento é a incumbência mais importante do Legislativo em todos os níveis da Federação. A relatoria é a instância mais importante desse processo. Do seu titular depende o formato da peça orçamentária, incluindo a escolha das emendas disputadas sofregamente pelos parlamentares. As credenciais de Argello para a função podem ser aquilatadas pelas revelações que este jornal começou a publicar domingo sobre as verbas que ele conseguiu destinar ao longo do ano, mediante emendas que levam a sua assinatura, a entidades fantasmas que superfaturam custos, fraudam prestações de contas e repassam recursos para empresas de fachada, em nome de laranjas. Em geral, o esquema segue a linha do memorável escândalo dos "anões do Orçamento", que acabaria custando o mandato a seis deputados federais, em 1993. Reduzido aos seus termos elementares, consiste em criar intermediários fictícios para repassar recursos públicos a empresas igualmente inexistentes. A área de incidência das maracutaias de que Argello diz não ter tido conhecimento é a dos chamados "eventos" patrocinados pelos Ministérios do Turismo e da Cultura. Por esse ralo, apurou o repórter Leandro Colon, escorreram pelo menos R$ 3 milhões do dinheiro do contribuinte. Argello diz que acolhia pedidos e fazia lobby por eles apenas em função do seu mérito e não pela "identidade do executor". O seu único interesse seria "a promoção do turismo e o fomento da cultura". Pilhado em flagrante, anunciou o cancelamento de emendas individuais, no valor de R$ 4 milhões, que seriam destinadas a eventos e patrocínios culturais. E garantiu que realocará esses recursos para a infraestrutura turística do Distrito Federal. Como já havia destinado R$ 4,1 milhões a essa finalidade, passa a patrocinar R$ 8,1 milhões. O que mais chama a atenção é a total falta de controle sobre quem pleiteia as verbas (por parte do Congresso) e de fiscalização sobre o que é feito delas (por parte do Executivo). Confessa uma autoridade: "Estamos em busca de ações que nos deem garantias na aplicação do dinheiro público." P.S. - O editorial já estava na página quando o senador Gim Argello renunciou à Relatoria do Orçamento.