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Opinião|A hora é de fazer contas

Atualização:

Por trás do barulho em torno do impeachment há um móvel muito mais prosaico e objetivo que as “razões ideológicas” alegadas nos discursos oficiais, cuja elisão torna impossível compreender os papéis assumidos por cada ator do nosso patético dramalhão.

Ele se chama dinheiro.

Produzir contas devastadoras sem dar satisfação a ninguém é prerrogativa exclusiva daquele “nós” do “nós contra eles” de que vivem falando o ex-presidente Lula e a ainda presidente Dilma. Pagá-las é sempre a cova com palmos medida desses latifúndios que cabe exclusivamente ao “eles”. Este nosso doloroso transe gira essencialmente em torno de definir quem vai pagar a última, recorde absoluto de todos os tempos. Como está claro que desta vez não vai ser possível jogar tudo nas costas dos “eles” de sempre e os “nós” terão de devolver uma parte significativa do que tomaram à Nação se quisermos que a economia volte a respirar, os ânimos estão pra lá de exaltados, com “o exército” adrede convocado todo ele nas ruas, viajando em ônibus pagos por nós, os “eles”, do Oiapoque ao Chuí, carregando sempre aquele mesmo elegante conglomerado de barracas brancas e pontiagudas de onde partem as “manifestações espontâneas” desses “movimentos sociais” para rugir, seja de dentro dos salões do Palácio do Planalto, seja nas avenidas paulistas do Brasil, que no que é daqueles tantos poucos ninguém há de tocar.

A partir da catastrófica Constituição de 88, quando a carga fiscal estava em 24% do PIB, em linha com a de países do mesmo nível de desenvolvimento, começa o “ciclo de expansão fiscal” que a trouxe até os 36% do PIB nominais de hoje, aos quais a orgia petista acresceu outros 10% do PIB de déficit basicamente distribuindo e incentivando a distribuição de cargos e salários na União, nos Estados e nos municípios enquanto subsidiava o consumo do povão com dinheiro dos impostos compartilhados com esses entes da falecida Federação. Não obstante a excelente opinião sobre si mesma que tem Dilma Rousseff, foi esse redobrar dos gastos junto com o minguar da arrecadação para comprar poder dentro do Estado e votos fora dele que acabou de quebrar o Brasil e enterrar na miséria os eleitores de 2014 que ela tapeou com as nada inocentes “pedaladas” com que tratou de esconder sua falcatrua.

A situação resultante é de uma clareza meridiana: nada menos que 46% de tudo o que o Brasil inteiro produz é apropriado pelos 11 milhões e 100 mil indivíduos humanissimamente humanos (5,4% da população) em que se corporifica a entidade mítica reverencialmente chamada de Estado. São R$ 2.714.000.000.000,00 (dois trilhões, setecentos e quatorze bilhões de reais) sobre um PIB de R$ 5,9 trilhões em 2015, mas, cada vez mais, só isso não chega. Tudo se esvai na “sustentação da máquina” com benefício menor que zero para o contribuinte em matéria de educação, saúde, saneamento, infraestrutura e segurança pública. O governo investe hoje menos (2,4% do PIB) do que investia em 1988 (3% do PIB), antes de a proporção do PIB que abocanha quase dobrar.

Por cima dos funcionários que têm qualificação, trabalham e em geral são miseravelmente pagos, boia a nata cada vez mais grossa dos não concursados filhos do comércio de “governabilidade” e dos detentores da dita “autonomia administrativa” que se outorgam supersalários recheados de “auxílios” isentos de Imposto de Renda. E acima de todos exibem a sua impunidade os donos dos “cargos de confiança”, eufemismo para os parentes e amigos mais queridos e para os agentes explícitos dos ladrões, seus padrinhos, que sugam o sistema naquela medida que fez do País o campeão mundial da corrupção.

O número de funcionários não chega a ser exagerado comparado ao resto do mundo. Mas a consagração do privilégio oficial e explicitamente como prêmio pela cumplicidade com esquemas criminosos de perpetuação no poder baniu do serviço público os últimos traços de meritocracia e sentido republicano. Cada órgão público, na razão inversa da sua real necessidade para qualquer coisa que interesse ao contribuinte, incorpora hoje um sistema completo de hotelaria de luxo onde motoristas e garçons, apenas por terem as costas de quem manda sempre ao alcance dos seus “tapinhas” de áulicos, ganham mais que professores e médicos concursados e titulados com mestrado e doutorado; automóveis, passagens, médicos e dentistas particulares e outras mordomias obscenas criadas e desfrutadas frequentemente por gente fichada na polícia consomem muito mais verba que hospitais, escolas e obras de saneamento básico.

O que tais crimes fizeram com o País é a razão última da queda iminente deste governo. Mas o discurso oficial quer dar a tudo ares de “disputa ideológica”. Dá espaço para mais esta fraude a passividade com que a imprensa privilegia as palavras sobre os fatos. A hora é de fazer contas, pois, ainda que vá o governo para onde merece, sua obra deletéria continuará pesando nas costas dos brasileiros em nome da intocabilidade dos “direitos adquiridos”, mãe de todos os privilégios adquiridos.

Quantas CPMFs poderiam ser poupadas se apenas os tais “auxílios” passassem a pagar imposto como salários que são? Quantas se o princípio basilar de igualdade perante a lei fosse aplicado às aposentadorias públicas, 33 vezes maiores em média que as privadas? Se apenas os abusos da chamada “autonomia administrativa” revertidos em decretos em causa própria (salários e auxílios) fossem anulados em nome do princípio do “desvio de finalidade”? Se as nomeações (e futuras aposentadorias e pensões) “de confiança” fossem revertidas?

Sim, os três Poderes, de tão podres, funcionam neste momento sob o jugo da necessidade. Mas ao 4.º cabe sair da hipnose com a disputa pelo poder em que vive, medir os dois Brasis e tratar de dar a uma sociedade explorada os argumentos de que vai necessitar para evitar que, mais uma vez, os “nós” se safem de tudo à custa dos “eles” e o País permaneça, como sempre, um milímetro acima do limite da sobrevivência. *FERNÃO LARA MESQUITA É JORNALISTA E ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM