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A imagem do Judiciário

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Por Redação
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Apesar das medidas tomadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para impedir o patrocínio de eventos oficiais do Judiciário e de associações de juízes por empresas, instituições financeiras e confederações patronais, o problema continua. Agora, a discussão é sobre as implicações éticas do pagamento a ministros dos tribunais superiores por palestras proferidas em bancos, que são classificados pelo CNJ como os maiores litigantes do País. A polêmica começou com a divulgação de que quatro ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) receberam pagamentos por palestras proferidas aos advogados do Bradesco, mas não se declararam impedidos de julgar os recursos por eles impetrados contra decisões nas instâncias inferiores da Justiça do Trabalho nas quais o banco foi condenado. Só o ministro João Batista Brito Pereira proferiu 12 palestras no Bradesco. Ele chefia a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho – o órgão encarregado de fiscalizar a conduta dos juízes trabalhistas. Em dois anos e meio, Brito Pereira fez 12 palestras no Bradesco, tendo recebido R$ 161,8 mil por elas. Segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo, o ministro é relator de dez ações judiciais que têm o banco como parte e também tem julgado outros processos de interesse do Bradesco. O presidente do TST, Antonio Barros Levenhagen, que é relator de seis casos do Bradesco, ganhou R$ 12 mil por uma palestra. Os outros ministros são Guilherme Caputo Bastos, que recebeu R$ 72 mil por seis palestras e foi relator em 170 ações nas quais o banco é parte, e Márcio Eurico Amaro, relator de 152 processos. Ao justificar as palestras, a direção do Bradesco afirmou, em nota, que elas proporcionaram “meios de atualização profissional aos seus colaboradores”. Contudo, não explicou por que, ao selecionar os palestrantes, não deu preferência a quem jamais atuou como relator nos processos dos quais o banco é parte. O TST tem 27 ministros. Os 4 ministros convidados sustentaram que não houve conflito de interesse em jogo, uma vez que “não trataram de casos concretos de interesse do contratante”, tendo se limitado a discutir temas abstratos, como a “contemporaneidade do direito”, e questões técnicas, como dano moral, terceirização e elaboração de súmulas. “Foram temas genéricos e não ensejaram discussão sobre caso específico”, explicou o corregedor Brito Pereira. A Lei Orgânica da Magistratura permite que juízes exerçam magistério em universidades públicas ou particulares, mas não prevê a hipótese de palestras pagas proferidas fora de estabelecimentos de ensino. Já a Constituição é taxativa quando, no inciso IV do § único do artigo 95, proíbe os juízes de “receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas e entidades públicas ou privadas”. Sem lembrar a Carta Magna, os quatro ministros que proferiram palestras aos advogados do Bradesco se limitaram a afirmar que elas não se enquadraram em nenhuma das hipóteses de impedimento tratadas pelo Código de Processo Civil. O problema, todavia, não é de caráter formal. Acima de tudo, é de caráter ético. No plano moral, é inadmissível que ministros de tribunais superiores treinem ou capacitem advogados de grandes litigantes. Isso macula a imagem de isenção do Judiciário. É como diz o provérbio latino: a mulher de César não tem de ser só honesta – ela também tem de parecer honesta. Palestras de magistrados pagas por entidades e empresas que possuem alto índice de litigância – e, portanto, alto grau de interesse econômico discutido nos tribunais – colocam em risco os valores maiores do direito. Quando julgadores se transformam em palestrantes pagos por uma das partes das ações que têm de julgar, passam a impressão de que o poder econômico cooptou a Justiça, em detrimento dos milhões de trabalhadores e cidadãos que recorrem aos tribunais para lutar por seus direitos, mas não têm as mesmas condições econômicas das partes adversas. Cabe ao CNJ coibir essa prática, para preservar a imagem do Judiciário.