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A indústria à espera da onda

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Por Redação
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O empresário industrial continua pouco disposto a investir e a contratar pessoal, embora se mostre hoje mais otimista do que até há pouco tempo, segundo sondagem publicada na sexta-feira passada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A pior fase do ajuste parece mesmo ter passado, pelo menos para as empresas: com a produção deprimida, o excesso de estoques foi eliminado e o volume corresponde, agora, ao planejado pelos administradores. Apesar de menos pressionado e mais confiante, o empresário, como indica a pesquisa, pretende inicialmente surfar a onda da recuperação, sem assumir novos compromissos de vulto. O protagonismo, nesse período, caberá mesmo ao governo. Confirmado o afastamento da presidente Dilma Rousseff, o presidente Temer e sua equipe deverão mostrar-se capazes de levar adiante a correção dos principais desajustes – até com medidas amargas, como já foi antecipado – e de repor a economia no caminho do crescimento.

Por enquanto, o empresário industrial aposta em demanda mais forte e em maiores oportunidades de exportação. Também prevê, como consequência incontornável, maiores compras de matérias-primas. Os indicadores correspondentes a esses três pontos ficaram acima de 50, na pesquisa recém-publicada: 55 para a demanda e 51,9 para as vendas externas e também para as compras de material. Os índices variam de zero a 100 nesse tipo de pesquisa e valores acima de 50 denotam otimismo. No caso das contratações, o número 47,8, o maior do ano, aponta menor pessimismo, mas nenhuma disposição, ainda por algum tempo, de ampliar o quadro de pessoal. A confiança quanto à demanda nos próximos meses chegou ao ponto mais alto em dois anos.

A recuperação do emprego ocorre, normalmente, só depois da melhora dos outros componentes do cenário, na primeira fase depois de uma recessão. Esse é um dado bem conhecido. Durante algum tempo, o pessoal empregado trabalha mais e se mostra mais produtivo. Isso atende às necessidades da empresa no começo da reativação. Além do mais, a produtividade maior favorece a rentabilidade nesse período. Mas a recuperação lenta do emprego também funciona como um freio, limitando o crescimento do consumo. Os empresários devem saber disso, mas, apesar de tudo, a perspectiva de uma demanda mais forte é o principal componente de seu renovado otimismo.

Com enorme capacidade ociosa, as indústrias poderão elevar a produção ainda por um bom tempo sem precisar de novas máquinas, equipamentos e instalações. Na média geral, a produção é feita com apenas 65% da capacidade instalada: 58% nas pequenas empresas, 62% nas médias e 70% nas grandes, aquelas com 250 ou mais empregados.

A baixa intenção de investir é perfeitamente compatível com esse quadro. O índice de agosto, o maior do ano, foi de 42 pontos. Os planos de investimento caíram de forma quase ininterrupta desde fevereiro de 2014, quando o indicador bateu em 60,9. Essa curva reflete em boa parte a história da recessão, desde a primeira fase de agravamento do cenário econômico. Em 2014, o Produto Interno Bruto (PIB) ainda cresceu 0,1%, mas esse minúsculo número positivo mal disfarça a gravidade das condições naquele ano. Estava tudo pronto para o desastre de 2015, quando o PIB diminuiu 3,8% e as demissões se multiplicaram rapidamente em quase todos os setores.

Se as previsões anunciadas nesta semana pelo governo se confirmarem, a inflação ficará em 7,2% neste ano e declinará até 4,8% em 2017. Qualquer afrouxamento da política monetária será limitado, portanto, se o Banco Central (BC) se empenhar de fato em atingir a meta de 4,5% até o fim do próximo ano ou pouco depois.

Caso raro de país com recessão e ao mesmo tempo inflação elevada, o Brasil terá a desvantagem de uma recuperação perturbada por juros bem acima dos padrões do mundo rico e da maior parte dos países emergentes. Também isso é parte da herança deixada pela presidente Dilma Rousseff.