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A inflação e a festa de Mantega

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Por Redação
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Quem vê o ministro da Fazenda, Guido Mantega, festejar a última notícia oficial sobre a inflação pode até se perguntar se o Brasil terá virado uma cópia da Alemanha, um país conhecido pela ojeriza à alta de preços e à gastança com dinheiro público. A boa notícia apareceu na quarta-feira, quando foi divulgado o IPCA-15, medido entre o meio de um mês e o meio de outro. Segundo a nova apuração, os preços ao consumidor subiram 0,38% nas quatro semanas até 12 de novembro. Um mês antes haviam subido 0,48%. Com aumentos mais moderados, especulou o ministro, nem será necessário um novo aperto da política monetária antes do fim do ano. Mas teve a prudência de ressalvar: o Banco Central (BC) tem autonomia para suas decisões. Um dia antes, o diretor de Política Monetária do BC, Carlos Hamilton, havia admitido o risco de um novo arrocho: sem complacência, disse ele, o Comitê de Política Monetária (Copom) poderá recalibrar sua política, se isso "for adequado". Como de costume, a exibição de otimismo do ministro da Fazenda pode ter sido prematura ou, no mínimo, um tanto exagerada. O IPCA-15 já subiu 5,63% neste ano e 6,42% em 12 meses. Está quase no limite da tolerância, de 6,5%, e, além disso, novos sinais positivos serão necessários para indicar uma firme desaceleração dos preços. Por enquanto, outros dados podem servir de base a apostas muito menos otimistas. Sinais de aceleração e de maiores problemas foram divulgados na mesma quarta-feira pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). No período de um mês até 10 de novembro, o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) subiu 0,72%. A coleta publicada no mês anterior havia mostrado uma variação de 0,13%. Esse resultado ainda refletiu a redução de vários grupos de preços por atacado. Essa etapa, tudo indica, está encerrada. O IGP é formado por três componentes. Os preços por atacado entram na conta com peso de 60%. De um mês para outro a variação desse grupo passou de 0,03%, - quase zero - para 0,93%. No caso dos produtos agropecuários o salto foi de 0,47% para 2,44%. Os preços dos produtos industriais passaram de uma contração de 0,13% para um aumento de 0,38%. Esses dados são um indício forte de pressões nos próximos meses. Uma acomodação dos preços por atacado nem sempre se reflete proporcionalmente no varejo. Nessas ocasiões, os preços ao consumidor podem continuar subindo, se a demanda final for muito alta. Isso tem ocorrido no Brasil. Mas pressões originadas no atacado dificilmente deixam de empurrar os preços no varejo, se as condições de crédito e de renda favorecerem o gasto familiar. Os preços ao consumidor subiram 0,43% no período de um mês até o dia 10, segundo a prévia do IGP-M. Haviam subido 0,4% um mês antes, embora a alta dos preços por atacado fosse quase nula naquela fase. O contraste entre os dois conjuntos de preços, no passado recente, é instrutivo e o ministro da Fazenda deveria levá-lo em conta. Nos cálculos da FGV, os preços por atacado subiram apenas 1,16% no ano e 1,8% em 12 meses, enquanto os preços ao consumidor aumentaram, nesses períodos, 5,85% e 6,58%. O resultado geral do primeiro conjunto foi em grande parte determinado pela contração dos preços das matérias-primas brutas. Esses preços diminuíram 3,75% neste ano, até 10 de novembro, e 2,55% em 12 meses. Resumindo: a alta dos preços das matérias-primas certamente pressionou os valores pagos pelo consumidor final, mas a inflação brasileira é atribuível principalmente a outros fatores, como a expansão do crédito, o aumento da renda das famílias, a gastança pública e o descompasso entre os aumentos salariais e os ganhos de produtividade. Esses fatores sempre estiveram presentes, por muitos anos, tanto em fases de alta quanto em períodos de acomodação dos preços das matérias-primas e dos bens intermediários. O pessoal do BC sempre soube disso. O ministro da Fazenda de vez em quando admite, publicamente, a influência da política fiscal na formação dos preços. Mas sempre agiu como se a inflação fosse independente das contas públicas.