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A intransigência de Maduro

A reposta agressiva de Caracas sobre as críticas brasileiras na ONU mostra como será difícil encontrar uma solução para a grave crise do país sul-americano

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Por Redação
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As duras críticas feitas pelo Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, às posições cada mais autoritárias e intolerantes adotadas pelo regime chavista na Venezuela – que em seus pontos principais contou com o apoio dos Estados Unidos e de vários países latino-americanos e europeus – e a resposta agressiva e intransigente do governo do presidente Nicolás Maduro mostram como será difícil encontrar uma solução para a grave crise política, econômica e social em que está mergulhado esse país. 

A posição brasileira, exposta pela embaixadora Regina Dunlop, foi clara e direta. A Venezuela, disse ela, deve garantir o pleno exercício dos direitos assegurados pela Constituição do país e tomar as medidas necessárias para que seja realizado, “sem demora, de uma forma clara, transparente e imparcial”, o chamado referendo revogatório que pode determinar o fim do mandato de Maduro. O pedido do Brasil é absolutamente procedente, porque o regime chavista tem feito sucessivas manobras para esvaziar a consulta popular, por meio do controle que exerce sobre o Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

O CNE sempre encontra pretextos, como fez há pouco outra vez, para dificultar a coleta de assinaturas necessárias à convocação do referendo e, dessa forma, fazer com que ou ele não se realize ou só ocorra depois de 10 de janeiro. Neste último caso, mesmo que Maduro perca, como tudo indica que acontecerá, não haverá nova eleição e ele será substituído pelo vice, seu fiel seguidor. Essa manobra, que não passa de um golpe com aparência de legalidade, elimina aquela que talvez seja a única possibilidade que ainda resta de uma transição pacífica para a democracia, há muito sufocada pelo chavismo.

O Brasil cobrou da Venezuela outras atitudes importantes para a superação da crise, entre elas a aceitação de “doações internacionais por meio de canais humanitários apropriados”, que Maduro tem rechaçado, apesar de indispensáveis para aliviar a penúria de alimentos e medicamentos que aflige a população. Pediu também a “liberação imediata” de políticos presos, o fim das “detenções arbitrárias” e a garantia da “liberdade de imprensa, de expressão e de manifestação”. 

O fato de outros membros daquela Comissão da ONU não terem poupado críticas ao governo venezuelano, a exemplo do que fez o Brasil, demonstra o seu crescente isolamento. Além da pronta realização do referendo, os Estados Unidos cobraram de Maduro a permissão para a entrada na Venezuela de inspetores da ONU – o que não ocorre há quatro anos –, cuja missão é verificar o respeito aos direitos humanos e à liberdade de expressão. Posições semelhantes foram adotadas pelo Reino Unido, a Holanda, a Itália, a Alemanha, o Japão, o México, o Peru e a Argentina. Os apoios recebidos pela Venezuela só depõem contra o seu governo. Além dos bolivarianos Equador, Nicarágua e Bolívia, lá estavam Cuba, Rússia, Irã e Síria. Do representante sírio, recebeu elogios – que dispensam comentários – pelas “conquistas sociais e pelo fortalecimento da democracia”. 

A reação da Venezuela visou principalmente o Brasil e os Estados Unidos. A lição de democracia que a chanceler Delcy Rodríguez deu a ambos seria cômica, se não fosse antes uma prova inquietante de que o regime chavista entrou num mundo irreal, de onde transfere aos outros os seus piores defeitos. No Brasil houve um “golpe de Estado” dado por um “grupo de corruptos”. Já os Estados Unidos são “o país menos democrático do mundo e que tem presos políticos e pobreza”. 

Pior ainda que isso é a afirmação de que o chavismo não mudará: “Nosso modelo é irreversível”. Tudo indica, portanto, que as negociações com a oposição, mediadas pelo Vaticano, têm pouquíssimas possibilidades de chegar a algum resultado satisfatório. A oposição quase nada tem a ceder. E o governo, que tem tudo a ceder, declara que seu modelo é irreversível. Até agora, não há nenhum motivo para otimismo.