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A Irlanda e o risco europeu

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Por Redação
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A crise fiscal na Europa não acabou, embora o governo irlandês tenha concordado, afinal, em receber um pacote de ajuda de até 90 bilhões da União Europeia (UE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Depois de uma semana tensa e de muita negociação, o governo da Irlanda reconheceu que precisa de auxílio para restabelecer suas finanças e para levar adiante o programa de reforma e restauração do sistema bancário do país. Para as autoridades da zona do euro, o acordo foi essencial para a segurança de toda a região: "Não estamos apenas defendendo um Estado-membro, mas nossa moeda comum", disse o ministro de Finanças da Alemanha, Wolfgang Schaeuble. O bloco está hoje plenamente equipado para enfrentar ameaças à união monetária, comentou a ministra da Economia da França, Christine Lagarde, comparando a situação atual com a do começo do ano, quando ficou ostensiva a gravidade da crise grega. Os europeus podem estar mais capacitados para defender a estabilidade coletiva, mas é cedo para dizer se o risco de contágio de outros países pelo problema irlandês foi eliminado. Certamente não foi, do ponto de vista dos operadores e dos analistas do setor financeiro. Daí o empenho do primeiro-ministro português, José Sócrates, em afirmar a diferença entre a situação de seu país e a da Irlanda. Portugal nunca teve problemas em seu sistema financeiro nem bolha imobiliária, e sua situação orçamentária não se compara com a irlandesa, segundo ele. O país, acrescentou, só precisa agora da aprovação do orçamento de 2011, não de ajuda externa. Com o socorro à Irlanda, é hora de se acalmarem os mercados e de acabar "esta especulação sem sentido", insistiu. Sua reação é compreensível, mas na semana passada o governo irlandês também dizia não precisar de auxílio. Há, no entanto, uma peculiaridade notável no caso irlandês: o déficit público do país deve ficar neste ano em cerca de 32% do Produto Interno Bruto (PIB), uma situação quase inimaginável há pouco tempo. O país, conhecido nos últimos anos como "tigre celta", crescia aceleradamente e exibia uma situação fiscal melhor que a da maior parte dos países da Europa. Mas o quadro se deteriorou rapidamente, com o estouro da bolha e com a recessão global. O governo transferiu aos bancos, no esforço para salvá-los, cerca de 30% do PIB nos últimos dois anos. Os termos da ajuda do FMI e da UE ainda estão em negociação. Mas o país terá de enfrentar a curto prazo, segundo se estima, um ajuste fiscal equivalente a 10% da produção: um enorme sacrifício, mas também enorme é o desarranjo acumulado a partir de 2008.Mas o risco, para os europeus, não é só de contágio de alguns países com situação fiscal vulnerável, como Portugal e Espanha, pela crise irlandesa. Falta resolver o problema grego. O pacote de ajuda de 110 bilhões negociado com a Grécia no começo do ano produziu resultados inferiores aos previstos na época. O governo grego sacou parte desse dinheiro e deveria agora sacar uma nova parcela. Representantes da UE e do FMI deveriam ter dado uma entrevista sobre o assunto nessa segunda-feira, mas decidiram adiá-la, porque as discussões com o governo grego sobre a execução dos ajustes demorou mais que o previsto. A entrevista foi remarcada para esta terça-feira. A participação do FMI na ajuda de até 90 bilhões (cerca de US$ 110 bilhões) à Irlanda é mais uma confirmação da ampla mudança de atitude da UE desde o começo do ano. Quando começaram a cuidar da crise grega, os principais dirigentes europeus tentaram evitar o recurso ao Fundo, como se isso fosse incompatível com a dignidade do bloco. A exibição de arrogância foi abandonada e o FMI foi chamado para cumprir uma de suas funções estatutárias - participar da correção de desajustes importantes. Esses desajustes, como se viu nos últimos anos, não ocorrem só em países em desenvolvimento. Mais que isso: podem acumular-se em pouco tempo e levar à crise países prósperos e com bons indicadores, como a Irlanda. A presidente eleita, Dilma Rousseff, deveria gastar alguns minutos pensando sobre isso.