Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A Justiça e a crise dos Estados

À medida que vai se agravando, a crise financeira dos governos estaduais amplia os conflitos entre os Poderes Executivo e o Judiciário

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

À medida que vai se agravando, a crise financeira dos governos estaduais amplia os conflitos entre os Poderes Executivo e o Judiciário. Por falta de recursos, vários governadores não apenas estão atrasando pagamentos do funcionalismo público, mas, também, deixando de repassar os valores relativos ao crédito consignado de servidores aposentados e pensionistas às instituições financeiras, que os incluem nas listas de inadimplentes do Serviço de Proteção ao Crédito. Em resposta, juízes de Varas de Fazenda Pública têm acolhido recursos judiciais impetrados por sindicatos e associações de servidores, determinando o bloqueio de todas as contas da administração direta.

A situação mais insólita ocorre há quase um ano no Estado do Rio de Janeiro, onde os juízes, esquecendo-se de que a recessão econômica reduziu drasticamente a receita do ICMS e a arrecadação de royalties do petróleo, têm mandado abrir os cofres públicos e recolher todo o dinheiro que está neles guardado. Segundo eles, permitir que o Executivo fique com dinheiro em caixa ou estabeleça datas diferentes das previstas pela Constituição para o repasse das verbas orçamentárias a que o Legislativo, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o próprio Judiciário têm direito, representa uma “afronta” à autonomia dos Poderes. No começo do ano, o TJRJ chegou a afirmar, em nota, que “a discussão sobre repasse de verbas é uma luta pela independência dos Poderes e uma insurgência contra a retenção indevida pelo Executivo de verbas que não lhe pertencem”.

O problema é que uma parte significativa dos recursos que têm sido arrestados por determinação judicial resulta de repasses de fundos federais e de bancos públicos – como o BNDES e a Caixa Econômica – destinados a serviços essenciais nas áreas de saúde, educação, segurança pública, energia elétrica e gestão ambiental, sob responsabilidade dos Estados e municípios. Em outras palavras, o dinheiro arrestado teria de ser obrigatoriamente aplicado em programas específicos, como determina a Constituição, não podendo assim ser utilizado para pagamento de pessoal.

A irracionalidade das decisões judiciais chegou a tal ponto que, nos últimos meses, alguns juízes de Varas de Fazenda Pública determinaram o confisco até mesmo de recursos provenientes de empréstimos obtidos junto a agências internacionais de fomento e a organismos multilaterais para o financiamento de programas sociais no Estado do Rio de Janeiro e de obras de despoluição da Baía de Guanabara – um compromisso assumido pelo Executivo estadual para a Olimpíada.

Essas decisões acenderam a luz vermelha do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial. Suas respectivas diretorias queixaram-se de desrespeito aos contratos assinados, alegando que isso não aconteceu nem mesmo em países em guerra, como a Líbia. Temendo que esse quadro de insegurança jurídica leve os organismos multilaterais a interromper os repasses de recursos já contratados e a suspender as negociações para novos financiamentos, o governo estadual bateu na porta dos tribunais, afirmando que os sucessivos confiscos determinados por juízes de primeira instância estão causando “grave risco à economia pública do Rio de Janeiro”. Como vários desembargadores do TJRJ têm apoiado as liminares concedidas por juízes de primeira instância autorizando os arrestos pedidos por entidades e sindicatos de servidores, inclusive do Judiciário fluminense, o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, tendo a ministra Rosa Weber como relatora.

Até o momento, ela não se manifestou. Quando o fizer, é de esperar que reafirme que a crise financeira dos Estados em hipótese nenhuma justifica decisões judiciais contrárias às determinações constitucionais, em matéria de prioridades de gastos públicos, e aos contratos negociados com organismos multilaterais.