Ao anunciar um corte de R$ 69,9 bilhões nos gastos orçamentários deste ano, o governo deu o passo mais importante, até agora, para conquistar a confiança dos investidores, financiadores e empresários – e para a retomada, numa segunda etapa, do crescimento econômico. Entre empresários da indústria e sindicalistas há quem se oponha a um programa sério de ajuste das contas públicas e também a um combate severo à inflação. Somam sua resistência à de parlamentares da oposição e até da base do governo, como se fosse possível, sem graves consequências, contemporizar no conserto dos fundamentos da economia nacional. Os mesmos empresários, no entanto, continuarão sem confiança para investir se o rombo das contas oficiais aumentar e os financiadores se tornarem mais arredios. Os mesmos sindicalistas protestarão contra as consequências inevitáveis de uma política tímida e hesitante – a combinação de preços em alta, retração econômica e desemprego crescente.
Os brasileiros já experimentam essa combinação desastrosa. Em abril foram fechados 97.828 postos de trabalho com carteira assinada, o pior resultado para o mês na série iniciada em 1992. O IPCA-15, prévia do indicador oficial de inflação, subiu 0,6% em maio e 8,23% em 12 meses. A alta de preços continua muito longe da meta de 4,5% ao ano e muito acima dos padrões internacionais. Isso torna o País menos competitivo, entrava a produção e dificulta a criação de empregos.
Pelas projeções anunciadas pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o cenário continuará muito feio neste ano. A inflação estimada passou de 8,2% para 8,26% e o Produto Interno Bruto (PIB) encolherá 1,2%. Pelo cálculo anterior, a redução seria de 0,9%. As estimativas estão muito próximas daquelas divulgadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras entidades multilaterais. Contemporizar será o pior caminho, porque retardará a recuperação.
Mas o corte de gastos prometido pelo governo é só um dos componentes necessários ao programa de ajuste. O programa depende ainda de outros fatores, como a aprovação, pelo Congresso, de um pacote legislativo. Esse pacote contém três medidas provisórias e um projeto de lei. São propostas de alteração nas condições de acesso a benefícios trabalhistas e previdenciários, de elevação do PIS/Cofins sobre importações e de revisão da política de desoneração da folha salarial.
Os textos foram parcialmente alterados. Os ganhos estimados pelo governo serão diminuídos e o jogo ainda prosseguirá nos próximos dias. Quanto pior o resultado final, em termos de ganhos fiscais, tanto mais o governo dependerá do aumento de tributos para alcançar a meta escolhida para o ano, um superávit primário de R$ 66,3 bilhões nos três níveis da administração pública. O superávit primário deve ser aplicado no pagamento de juros, com o objetivo de estabilizar e em seguida reduzir a proporção entre a dívida pública e o PIB.
Não há razão econômica para manter os estímulos criados depois da crise de 2008-2009 e ampliados nos anos seguintes. Os benefícios fiscais e financeiros concedidos a setores e a grupos empresariais, desde o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tiveram alguma utilidade na pior fase da crise internacional. Depois disso deixaram de ser funcionais. Sangraram as finanças públicas e falharam como políticas de crescimento. Deram lucro a alguns setores e grupos, mas sem vantagem para o conjunto da economia e com enorme custo para as finanças públicas, isto é, para os contribuintes.
O acerto das contas públicas será especialmente difícil, neste ano, porque a estagnação da economia compromete a geração de impostos e contribuições. Mas, se o programa empacar, o País estará arriscado a um rebaixamento de sua nota de crédito. Isso seria desastroso, porque o financiamento do Tesouro ficaria mais caro e, além disso, as estatais também acabariam reclassificadas. Não há escolha, portanto. O ajuste será duro, mas sua execução será mais fácil e a recuperação, mais pronta, se os políticos se mostrarem à altura dos problemas. Até agora estão longe disso.