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A lentidão do Cade

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Por Redação
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O rigor do voto do relator do processo de criação da Brasil Foods (BRF) no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), conselheiro Carlos Ragazzo, propondo a rejeição total da fusão da Sadia e da Perdigão que deu origem à empresa em julgamento, tornou ainda mais urgente a busca de uma solução para um problema crônico do órgão encarregado de preservar a concorrência econômica no País: sua excessiva lentidão, que afeta duramente as operações e as finanças das empresas que dependem de suas decisões.Pelas dimensões econômicas e pela presença destacada nos mercados interno e internacional das duas empresas que se fundiram, o caso da BRF já era apontado como um dos mais importantes já analisados pelo Cade. Mas, estejam ou não tecnicamente bem fundamentas as alegações do relator e qualquer que seja a decisão do Cade a respeito da fusão - um dos conselheiros pediu vista do processo, cujo julgamento, por isso, foi adiado para a próxima quarta-feira -, a demora da decisão já tem efeitos econômicos importantes e poderá ter outros.Em seu voto, o conselheiro Carlos Ragazzo sustenta que "a fusão poderia provocar danos severos aos consumidores, gerando aumento de preço e inflação que compromete a renda". Por isso, indicou que, se seu voto prevalecer, a fusão entre a Sadia e a Perdigão terá de ser desfeita no prazo de dez dias depois da publicação da decisão do Cade no Diário Oficial.Os representantes da BRF tentarão, nos próximos dias, convencer os demais conselheiros do Cade a autorizar a fusão, ainda que com ressalvas importantes, como a venda de algumas marcas e unidades industriais, que poderia vir acompanhada do fornecimento de insumos e da possibilidade de compartilhamento de rede de distribuição por certo período. Se, porém, o voto do relator for aprovado na forma como foi apresentado, a operação terá de ser desfeita.O Cade, por sua lentidão, está se descolando da realidade da economia. A fusão das duas principais empresas brasileiras da área de alimentação, que concorriam entre si, foi anunciada em junho de 2009 e, desde então, elas vêm buscando sinergias que lhe assegurem maior eficiência e rentabilidade. Muitas decisões operacionais foram tomadas para assegurar a presença das principais marcas no mercado interno e preservar os espaços no exterior, pois ambas eram grandes exportadoras. Mas decisões estratégicas, como investimentos em novos empreendimentos, tiveram de ser adiadas, à espera da decisão do Cade.Se vetar a operação, o Cade estará como que determinando a volta à situação anterior à fusão. Pode ser uma operação impossível. Há pouco mais de dois anos, a Perdigão vivia uma situação financeira e econômica tranquila, enquanto a Sadia, em razão de operações financeiras de alto risco com derivativos cambiais, passava por séria crise. Logo após o anúncio da fusão, a Perdigão anunciou uma operação de captação de R$ 5,3 bilhões para o saneamento financeiro da nova companhia.Embora o compromisso da direção da BRF tenha sido de unificar apenas a parte financeira, mantendo isoladas as operações comerciais das companhias que se fundiram, certamente informações sigilosas foram repassadas de uma para outra.Somem-se a isso perdas, em termos de prestígio comercial e de valor de mercado, de marcas expostas à incerteza por tanto tempo e da própria companhia resultante da fusão, cujas ações tiveram forte desvalorização quando se tornou público o teor do voto do relator do Cade.Observe-se, por fim, que, embora possam ser procedentes as alegações do órgão de defesa da concorrência a respeito da demora da BRF no fornecimento de informações que lhe foram solicitadas e do excessivo número de pareceres técnicos por ela apresentados, o que teria dificultado a análise do processo, o próprio Cade contribuiu para a demora no julgamento da questão. De novembro a março, operou com o número mínimo de conselheiros para tomar decisões, razão pela qual não era recomendável que decidisse sobre casos mais complexos, e só no mês passado passou a se reunir com o seu quadro completo.