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Opinião|A liderança como farsa

Como não foi possível enganar a todos, o lulopetismo vive fase de merecida agonia

Atualização:

O esfacelamento da figura política de Luiz Inácio Lula da Silva e do projeto de poder do lulopetismo nos remete à conhecida máxima atribuída a Abraham Lincoln: “Você pode enganar todas as pessoas por algum tempo, você pode até mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo, mas você não pode enganar todas as pessoas o tempo todo”. Foram necessários pouco mais de 13 anos para que a verdade começasse a se formar cristalina e inexoravelmente diante de todos os brasileiros, desde os que sempre olharam com desconfiança para a figura de Lula até os que ainda insistem em não enxergar – mas estes cada vez em menor número.

O projeto prometia muito. Prometia coisas tais como tirar os pobres da pobreza, casas populares acessíveis a quem quisesse; crescimento econômico sustentável com a criação de conglomerados genuinamente brasileiros capazes de competir internacionalmente; consolidar o País como ator de destaque no cenário político e econômico mundial. Mas o que se viu foi uma imensa bolha de consumo lastreada em crédito abundante e na intervenção sobre os preços da energia elétrica e dos combustíveis, a maquiagem contábil, a deterioração da competitividade da indústria nacional, a destruição de vários milhões de empregos e o alinhamento sistemático da nossa diplomacia com alguns dos mais desprezíveis governos do planeta.

Apesar dos evidentes fracassos, porém, corríamos o seriíssimo risco de que Lula, seus métodos e seus asseclas prevalecessem e se perpetuassem efetivamente no poder. Contribuiu para que isso não ocorresse a reação de boa parte dos brasileiros, indo às ruas e mostrando sua indignação com os governos mais corruptos e incompetentes da História nacional, de maneira ordeira, cívica e bem-humorada. Têm contribuído também o caráter, a seriedade e a coragem de centenas de brasileiros que trabalham no Ministério Público, na Polícia Federal (PF) e na Justiça, cujos representantes mais visíveis são o juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.

Contamos também com um pouco de sorte. Caso o preço do petróleo não tivesse caído anos atrás e o pré-sal se tornasse viável, a dinheirama daí proveniente teria permitido ao governo do PT estender os programas assistencialistas, a energia barata, o crédito fácil e a cooptação de agentes políticos de diversos partidos, renovando assim seu apoio popular e poder político.

Esses fatores se alinharam e permitiram que chegássemos à situação atual, com dezenas de réus e condenados na Lava Jato e em outras operações da PF, com o impeachment de Dilma Rousseff – o poste alçado à Presidência – e com o próprio Lula às voltas com a Justiça, agora sob a pecha de “comandante máximo” da bandalheira.

Assim voltamos a Lincoln: como foi possível enganar boa parte dos brasileiros por tantos anos? A resposta, embora não trivial, pode ser esclarecida e suas bases são as mesmas que sustentam governos populistas e autoritários mundo afora. A manipulação de povos por líderes farsantes é repleta de exemplos que terminam em desastres ou verdadeiras catástrofes. Felizmente, no nosso caso as baixas estão sendo contabilizadas “apenas” em milhões de empregos, e não em milhões de vidas.

A manipulação de todo um povo por um líder e um grupo político – em que a visão de futuro e os objetivos apresentados e compartilhados com a população são apenas fachada que esconde as verdadeiras intenções e os propósitos desse líder e de seu grupo – está baseada em quatro pilares: personalismo, desprezo pela verdade, autoritarismo e divisão da população.

O personalismo trata de mitificar a figura do farsante. Apresenta-se como salvador, com características únicas, capaz de realizar o que nenhum outro ser humano seria capaz, colocando as instituições num plano absolutamente secundário ou subordinado. A imagem de insubstituível, um novo “pai dos pobres”, acima do bem e do mal é trabalhada incansavelmente.

O segundo pilar é o desprezo pela verdade. As mentiras, omissões, distorções, a tentativa de reescrever a História e a apropriação de feitos de terceiros são elementos comuns – mas nem sempre facilmente perceptíveis – nas falas desses manipuladores. Ainda nessa categoria encontramos a desfaçatez com que acusam os adversários de suas próprias mazelas ou a naturalidade com que se desincumbem de suas responsabilidades dizendo que não sabiam de nada, imediatamente após qualquer desmando ser apontado.

O autoritarismo, por sua vez, procura fragilizar as instituições democráticas principalmente pelo aparelhamento – ou tentativa de aparelhamento – do Judiciário e pela cooptação e corrupção do Legislativo. Num exemplo mais extremo, felizmente ocorrido na Venezuela, e não aqui, a criação de uma milícia armada com mais de 100 mil homens, uma força do tamanho do Exército do país, tem ajudado a intimidar a população e a tratar como traidores os oposicionistas ao regime.

Por último, mas não menos importante, o quarto pilar de ação dos líderes farsantes tem que ver com a criação de antagonismos no meio da população. Aqui encontramos a pregação da desunião, a quebra da sociedade em distintas e inconciliáveis categorias, com base em “classe social” – “elite” versus “trabalhadores” – ou cor, etnia, preferência sexual, religião, etc.

Como não foi possível enganar a todos o tempo todo, apesar do culto à personalidade de Lula, do desprezo pela verdade, das investidas autoritárias e do enorme esforço para dividir o Brasil em “nós” e “eles”, o lulopetismo vive uma fase de merecida agonia, pelo bem de nossa democracia e do Estado de Direito. Neste momento, a compreensão e reflexão sobre os fatores que sustentaram a farsa é também importante para que estejamos atentos e evitemos a eleição de um próximo farsante, de qualquer partido, de esquerda ou de direita, homem ou mulher, que queira assumir o poder em nosso país.

*FÁBIO DE BIAZZI É ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO, DOUTOR EM ENGENHARIA PELA USP, DIRETOR EXECUTIVO E CONSULTOR DE GESTÃO, É PROFESSOR DE LIDERANÇA E COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL DO MBA EXECUTIVO DO INSPER