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A nova 'bolsa-eleitor'

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Por Redação
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Os números do programa de proteção a pescadores durante o período em que a pesca é proibida para a preservação de determinadas espécies poderiam sintetizar o êxito de uma meritória ação social e ambiental do poder público. Mas a quantidade de ações do Ministério Público Federal contra administradores e beneficiários do programa em diversos Estados indica que parte dos benefícios pagos pelo governo resulta de fraudes e irregularidades praticadas às vezes com objetivos eleitorais e sempre com graves prejuízos para os cofres públicos.Não é fácil obter dados precisos sobre a concessão desse benefício. Os últimos números disponíveis na página eletrônica do Ministério do Trabalho, responsável pelo pagamento, são de 2005. Conhecido como "bolsa-pescador" ou "seguro-defeso" - pois é pago no período de defeso, em que a pesca é proibida para assegurar a reprodução das espécies -, o benefício foi criado há quase 20 anos pelo governo Collor e ampliado há 8 pelo governo Lula. Trata-se de uma modalidade de seguro-desemprego, pago com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalho (FAT), administrado pelo Ministério do Trabalho.Há cerca de um ano, o Estado publicou reportagem mostrando que, durante o governo Lula, o número de beneficiários do "bolsa-pescador" foi quadruplicado e o gasto total com o benefício - equivalente a um salário mínimo e pago durante os quatro meses do período de proibição da pesca de determinada espécie - superava R$ 1 bilhão por ano. Esse valor representava o quádruplo do orçamento do Ministério da Pesca e Aquicultura e três vezes o valor das exportações brasileiras de pescado.Em artigo publicado no jornal O Globo (4/11), o economista Gil Castello Branco, fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas, que se dedica a fiscalizar o uso do dinheiro público, informou que são hoje exatamente 553.172 pessoas que afirmam viver exclusivamente da pesca, individual ou em regime de economia familiar, e obtiveram o direito de receber do governo R$ 545 por mês durante um terço do ano, o que representa um custo anual de R$ 1,2 bilhão. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, eram 113.783 favorecidos, para os quais o Ministério do Trabalho pagou R$ 81,5 milhões a título de seguro-desemprego.Ao contrário do que ocorre com os beneficiários do Bolsa-Família, cujos nomes estão disponíveis nos portais do governo, os do "seguro-defeso" não são divulgados pelo Ministério do Trabalho. Só depois de fazer diversas solicitações ao Ministério e recorrer à Ouvidoria-Geral da União o fundador da Contas Abertas conseguiu a lista dos beneficiários do "bolsa-pescador". Ele constatou que até em Brasília há pessoas que, se declarando pescadores profissionais, afirmaram ter tido seu trabalho interrompido durante o defeso e, por isso, recebem o benefício.O jornal O Globo (5/10) informa que uma auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União constatou a existência de irregularidades em mais de 60 mil pagamentos feitos em dois anos e que somam R$ 91,8 milhões. Na lista dos beneficiários havia pescadores já mortos, donos de empresa, empregados fixos, aposentados pelo INSS e até pessoas cujo cadastro no Ministério da Pesca e Aquicultura como pescador (uma das exigências para participar do programa) tinha sido recusado.O Ministério Público Federal investiga os pagamentos do "bolsa-pescador" em diversos Estados, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pará. Quando atuava em Santa Catarina (atualmente está no Rio Grande do Sul), o procurador Celso Tres encontrou casos como o de uma pessoa que declarou à Polícia Federal que só entrou no programa porque, ao ver uma fila diante da Colônia de Pescadores de Tubarão, perguntou o que era, soube que "estavam distribuindo seguro-desemprego" e passou a receber o benefício.As fraudes, em geral para beneficiar amigos ou para conquistar votos, são facilitadas porque não há controle do Ministério da Pesca, que cadastra os pescadores, nem do Ministério do Trabalho, que paga o "bolsa-pescador" - que por isso está virando uma espécie de "bolsa-eleitor".