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A nova fase do 'embate'

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Por Redação
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O presidente do Senado, Renan Calheiros, condena o que denomina "controle preventivo da constitucionalidade". Na terça-feira, à saída do seu segundo encontro em duas semanas com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em companhia do presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves - para tratar do que o senador passou a chamar "embate", exorcizando o termo "crise", nas relações do Congresso com a mais alta instância judicial do País -, ele fez uma afirmação taxativa. "A interrupção do processo legislativo é algo com que não podemos concordar jamais". Calheiros tem razão, mas não toda a razão - e, se não ele, decerto sabe disso o corpo de assessores jurídicos do Poder que preside.Um retrospecto se faz necessário. A questão está na ordem do dia há duas semanas. Em 24 de abril, Gilmar Mendes concedeu liminar em mandado de segurança requerido pelo líder do PSB no Senado, Rodrigo Rollemberg, para sustar a tramitação do projeto de autoria do deputado peemedebista Edinho Araújo que dificulta objetivamente a formação de novos partidos. A regra em vigor, consagrada pelo STF há dois anos, permite a parlamentares interessados em se filiar a uma legenda recém-criada levar consigo a parcela do tempo de propaganda na TV e dos recursos do Fundo Partidário que detinham nas bancadas que integravam. A norma contradiz o princípio, também sacramentado pelo tribunal, de que os mandatos não pertencem aos mandatários, mas aos partidos pelos quais se elegeram.A decisão foi uma bênção para o PSD confeccionado pelo então prefeito Gilberto Kassab. Graças a ela, a agremiação atraiu dezenas de deputados eleitos por outras legendas, a começar do DEM. A hemorragia foi um bônus também para os planos reeleitorais da presidente Dilma Rousseff. Feita a mágica, a prioridade do Planalto tornou-se impedir, pelo mesmo motivo, que dela se beneficiassem outros partidos em formação, como a Rede Sustentabilidade da ex-ministra Marina Silva e a Mobilização Democrática, produto da fusão entre o PPS e o obscuro PMN. Ganhariam com isso Marina, o provável candidato tucano Aécio Neves e o governador pernambucano, Eduardo Campos, do PSB, cuja candidatura é dada como certa - todos empenhados em levar a disputa de 2014 para o segundo turno.Mobilizada, a base governista aprovou o casuísmo a toque de caixa na Câmara e se preparava para fazer o mesmo no Senado, quando Gilmar Mendes acolheu o pedido de liminar, parando tudo. Ele o fez horas depois de a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovar, sem votação nominal, a proposta petista de emenda constitucional que subtrai do Supremo a última palavra em matéria de legalidade das leis - um atentado à cláusula pétrea da separação dos Poderes e às atribuições constitucionais do STF. Parece fora de dúvida que o PT quis se vingar das condenações do mensalão - e que o ministro Mendes respondeu com a liminar que contrariou os interesses do governo petista. Para "jogar água no fogo", nas palavras de Calheiros, o seu homólogo na Câmara, Henrique Alves, enterrou a proposta infame, remetendo-a ao 109.º lugar da fila de matérias aprovadas na CCJ, à espera de exame por uma comissão especial. Ambos querem que Mendes faça logo a sua parte, submetendo a liminar ao plenário do Supremo tão logo a receba de volta da Procuradoria-Geral da República, à qual a enviou por dever de ofício. Nesse contexto é que Calheiros verberou a "interrupção do processo legislativo" pelo Judiciário. No caso específico, a intervenção de Mendes não parece sustentar-se. Mas há, sim, circunstâncias em que o STF tem o direito - e o dever - de agir, freando o andamento de projetos que violem inequivocamente a Constituição: por exemplo, uma hipotética tentativa de extinguir a Federação. Ou, para voltar à realidade, a própria proposta de subordinar ao Legislativo decisões cruciais do STF. Dito de outro modo, ela teria plena legitimidade para abater uma aberração do gênero, sem esperar pelo seu desfecho. Mas não para barrar, antes da eventual aprovação, o projeto sobre os partidos.