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A novela da Transnordestina

Se tudo der certo, a Transnordestina, que deveria ter sido entregue em 2010, será inaugurada em 2021

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Por Redação
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O governo federal aceitou aplicar mais R$ 1,4 bilhão nos próximos três anos na conclusão das obras da Ferrovia Transnordestina. Pode-se perguntar por que o governo resolveu destinar mais recursos públicos para um empreendimento cujo orçamento inicial era de R$ 4,5 bilhões e agora pode chegar a R$ 11,2 bilhões, que deveria ter sido entregue em 2010 e que integra a extensa lista de retumbantes promessas não cumpridas pelos governos lulopetistas. A esta altura, porém, perderá menos o contribuinte se a ferrovia for terminada e entrar em funcionamento, ainda que para isso mais recursos sejam necessários. Trata-se, em resumo, de reduzir os prejuízos – desde que, é claro, sejam sanados os problemas que transformaram a obra em um sorvedouro de dinheiro público.

O projeto da ferrovia, em si, é bastante relevante, tendo sido cogitado em governos anteriores aos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff. De acordo com os planos, a ferrovia ligará regiões produtoras do Nordeste aos Portos de Suape (Pernambuco) e do Pecém (Ceará). A estimativa é que a Transnordestina transporte 30 milhões de toneladas de carga por ano, reduzindo os custos dos produtores, hoje obrigados a escoar sua produção por caminhões, que transportam a carga para os portos do Sudeste. A ideia de Lula ao inaugurar a obra, no distante ano de 2006, era fazer com que a Transnordestina transformasse o Nordeste “em uma região altamente produtiva e altamente desenvolvida”. Para o então presidente, sempre muito grandiloquente, a ferrovia iria “mudar a cara do Nordeste”.

As promessas de Lula para sua região de origem sempre se traduziram em votos para ele e para o PT nos anos dourados do lulopetismo, a ponto de manter o Nordeste como bastião do petismo mesmo em meio aos escândalos e à inépcia administrativa que acabaram por desalojar o partido do poder. Mas, na prática, os frequentes comícios de Lula no Nordeste não resultaram em mudança significativa para a região. Ao contrário: o PIB local caiu 4,3% entre 2015 e 2016, em meio a uma recessão nacional de 3,6%. Essa penúria é fruto da ausência das estruturas necessárias para romper a dependência nordestina das transferências governamentais. E isso depois que os governos de Lula e Dilma empenharam R$ 104 bilhões na região entre 2007 e 2014. O valor diz respeito a obras inconclusas, como a Transnordestina e a transposição do São Francisco, e à construção de refinarias da Petrobrás, alvo de grossa corrupção e que acabou também abandonada depois de consumir vultosos recursos públicos.

No caso da Transnordestina, o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu, no mês passado, que há riscos à continuidade da obra. Segundo o ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do processo, “o regime de legalidade administrativa, em consonância com os princípios constitucionais, não tolera a liberação de recursos públicos para empreendimentos que apresentam alto risco de não conclusão, mormente quando sequer existem elementos que permitam aferir o custo real da obra”.

Por essa razão muito simples – não se sabe quanto afinal custará a Transnordestina –, o TCU mandou suspender os repasses para a continuidade das obras. O empreendimento só poderá ser retomado quando for explicado o “descompasso entre os valores efetivamente recebidos e a parcela de obra já executada”, segundo o tribunal. O TCU informa que até o final de 2016, dez anos depois de iniciado o trabalho, a Agência Nacional de Transportes Terrestres “não possuía o orçamento detalhado da obra, baseado em projeto executivo, nem mesmo dos trechos que já foram concluídos”. Assim, o governo se comprometeu a injetar mais recursos na obra, mas somente se a sócia privada do empreendimento, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), cumprir as determinações do TCU e estabelecer qual será o custo final da ferrovia. A cautela é evidentemente necessária, em caso de tão flagrante desrespeito ao erário. Se tudo der certo, a Transnordestina, que deveria ter sido entregue em 2010, será inaugurada em 2021.