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A ortografia no Senado

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Por Redação
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Desde 2009, o Brasil convive com uma situação anômala: possui duas normas ortográficas. De janeiro de 2009 a dezembro de 2015, o País está oficialmente num período de transição, no qual coexistem a norma antiga e a nova, estabelecida pelo Acordo Ortográfico de Lisboa, assinado em 1990. Para complicar a situação, há atualmente um grupo de trabalho no Senado que quer mudar o acordo, com a intenção de definir um "idioma claro e acessível a todos". Sem uma proposta definida e descumprindo os caminhos legais previstos, a atuação desse grupo é motivo de preocupação. Com a língua não se brinca.O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi assinado pela Academia das Ciências de Lisboa e pela Academia Brasileira de Letras (ABL), além das delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Posteriormente, cada país o ratificou internamente. No Brasil, o Congresso Nacional o aprovou em abril de 1995, e a sua regulamentação veio por um decreto presidencial, de setembro de 2008, no qual se definiu a sua obrigatoriedade a partir de 2013. Em dezembro de 2012, a presidente Dilma Rousseff estendeu o prazo para janeiro de 2016, acolhendo em parte o pedido de senadores que queriam adiar sua obrigatoriedade para 2018. Durante a transição, valem as duas normas.Houve protestos. Por exemplo, o gramático Evanildo Bechara, membro da ABL, comentando a importância de uma uniformização da língua portuguesa, afirmou que adiar a obrigatoriedade era um ato sem sentido, que significava passar um "atestado de ignorância" para professores e alunos que já dominam as novas regras.Aproveitando o novo prazo, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovou a criação de um grupo de trabalho para estudar e apresentar uma proposta para "aperfeiçoar o Acordo Ortográfico". A ideia do grupo foi do presidente da Comissão, senador Cyro Miranda (PSDB-GO), um dos maiores articuladores para que se atrasasse a obrigatoriedade do Acordo.O grupo de trabalho reúne algumas entidades e um site (Simplificando a Ortografia), do professor Ernani Pimentel. Na internet, ele promove um abaixo-assinado pela "racionalização e simplificação da ortografia", sem especificar, no entanto, o que deseja mudar. Especifica, no entanto, postular uma redução da carga horária de aulas de ortografia. Segundo o professor, hoje são ministradas 400 horas/aula desde o início do fundamental até o fim do ensino médio, e ele deseja que sejam utilizadas em torno de 150 horas. O grupo prevê recolher, até o fim de julho, sugestões de professores, estudantes e público em geral para uma nova ortografia, cuja proposta seria elaborada durante o Seminário Internacional Linguístico-Ortográfico da Língua Portuguesa, em setembro.Surpreende que toda essa movimentação para uma nova ortografia seja feita à margem da Academia Brasileira de Letras, que é, por lei, a guardiã da língua portuguesa. Tanto é que foi a ABL quem assinou, em Lisboa, em 1990, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Nesse mesmo escopo, a ABL também é responsável pela atualização do Vocabulário Comum, a organização do Vocabulário Onomástico e a publicação do Pequeno Vocabulário da Língua Portuguesa, tarefas que são cumpridas exemplarmente.Além do desrespeito à lei no que tange à ABL, preocupa o enfoque dado para essa possível nova ortografia. Por exemplo, segundo o professor Ernani Pimentel, "a simplificação ortográfica é a porta para a eliminação do analfabetismo". Pelo que se sabe, esse grave problema se combate com educação de qualidade, não com diminuição de conteúdo. O grupo de trabalho defende também "a necessidade de uma língua mais abrangente e democrática que promova a inclusão social". Coitada da ortografia! Agora, ela é a culpada pelos problemas sociais brasileiros.A língua portuguesa é um inestimável patrimônio cultural, e alterações exigem criterioso estudo prévio. Por quem tem - por lei - competência para fazê-lo.