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A plena carga no Egito

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Por Redação
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Ao aderir ao golpe militar de 3 de julho no Egito, que destituiu o presidente Mohamed Morsi, em seguida a uma onda de protestos contra a mão pesada do governo da Irmandade Muçulmana, o acadêmico, diplomata e ativista político Mohamed ElBaradei emprestou ao novo regime um verniz de legitimidade. O mais respeitado de seus concidadãos pela comunidade internacional, diretor-geral (durante 12 anos) da agência de energia atômica da ONU e ganhador do Prêmio Nobel da Paz - ele participou do levante popular de 25 de janeiro de 2011 que derrubou a ditadura de 30 anos de Hosni Mubarak, mandando-o para a cadeia, e esteve perto de se candidatar à presidência, na primeira eleição livre da história nacional, vencida afinal por Morsi.Aos que o acusaram de oportunismo, por ter aceito o convite para integrar, como vice-presidente, o governo interino chefiado pelo civil Adly Mansour, sob a tutela do comandante-chefe das Forças Armadas, Abdel Fattah al-Sisi, ElBaradei fez jus às suas credenciais de político liberal e defensor dos direitos humanos, renunciando ao cargo em protesto contra as matanças de partidários da Irmandade Muçulmana. A pior delas ocorreu há uma semana, durante uma incursão das forças de segurança à mesquita de Rabaa al-Adawiya. Foram mortas mais de 600 pessoas, muitas delas executadas à queima-roupa. "É difícil para mim assumir a responsabilidade por decisões com as quais não estou de acordo", afirmou ElBaradei, deplorando o "estado de polarização" em que mergulhou o Egito. Em seguida, voltou para a Áustria, onde residia até a irrupção das manifestações da Praça Tahrir pelo fim da era Mubarak, que pareciam augurar a chegada da primavera política à mais populosa e importante nação árabe. Sinal de que o Egito voltou a ser o que era, foi autorizada ontem a soltura do ex-ditador Mubarak, de 85 anos, um dia depois do anúncio de que ElBaradei será processado por "quebra da confiança pública". A iniciativa, de pronto aceita pela procuradoria-geral egípcia, foi de um professor de direito criminal. Para ele, com a sua renúncia, o líder da Frente de Salvação Nacional, a aliança de partidos liberais que se opunha a Morsi, teria respaldado implicitamente a acusação de que o Exército se excedeu no uso da força contra os islâmicos - o que "contraria a realidade". ElBaradei será julgado, in absentia, ao que tudo indica, em 19 de setembro. O veredicto é irrelevante. Os militares contam com a complacência dos Estados Unidos, que se recusam a chamar de golpe o golpe de 3 de julho - do contrário Washington seria obrigado, por lei, a suspender a ajuda militar ao Cairo, da ordem de US$ 1,3 bilhão por ano. Contam com o apoio e os petrodólares da Arábia Saudita, que abomina a Irmandade, e a solidariedade discreta de Israel, que via no governo Morsi, interlocutor dos radicais do Hamas, uma ameaça aos seus interesses.Os generais egípcios parecem dispostos, como nunca antes, a erradicar os "terroristas" da Irmandade. A organização, fundada em 1928 - e de cujos quadros faria parte, décadas depois, o médico Muhammad Ayman al-Zawahiri, braço direito do fundador da Al-Qaeda, Osama bin Laden -, foi duramente perseguida ao longo de sua existência. "Estivemos perto de ser aniquilados por Nasser", disse ao New York Times um dirigente islâmico, na clandestinidade, referindo-se ao coronel Gamal Abdel Nasser, que comandou o Egito entre 1956 e 1970. "Mas isto é pior", compara. Ele diz também que os seus correligionários falam agora dos "bons velhos tempos" sob Mubarak.Os fatos parecem dar-lhe razão - e não apenas porque, desde o golpe, mais de 3 mil "irmãos" já foram encarcerados. Pois, na mesma terça-feira em que foi tomada a decisão de processar ElBaradei, as autoridades deram um passo sem precedentes na repressão aos islâmicos, ao deter e exibir na TV como um troféu o seu reverenciado guru Mohamed Badie, de 70 anos, em outros tempos tido como "intocável". Para os egípcios, a sua prisão teve impacto mais forte do que o processo contra ElBaradei.