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Opinião|A política externa do governo Temer

Uma primeira avaliação registra avanços em relação aos últimos 15 anos nessa área

Atualização:

Decorridos nove meses do governo Temer, cabe fazer um primeiro balanço das políticas e das medidas adotadas pelo Itamaraty desde maio de 2016. A partir das diretrizes anunciadas pelo ministro José Serra, quando assumiu a pasta, algumas decisões impactaram o Itamaraty e recolocaram o ministério como principal formulador da política externa e articulador das ações externas dentro do governo.

As prioridades externas dos governos anteriores foram mantidas pelo governo Temer, mas com acentuadas mudanças de ênfase e de orientação. A mais importante foi a eliminação da influência da ideologia na formulação e execução dessas ações. Essa mudança fez a política externa voltar ao seu leito tradicional de defesa dos interesses permanentes do Brasil, e não de plataforma de um partido político no poder.

Em termos institucionais, o ministro José Serra, com o objetivo de fortalecer o Itamaraty e permitir a volta de seu funcionamento normal, obteve recursos para pôr em dia os pagamentos de custeio do ministério, assim como a dívida acumulada nos organismos internacionais nos últimos anos. Os atrasos comprometiam a imagem do Brasil como bom pagador e ameaçavam a suspensão do direito de voto do País. Com vista a ampliar a coordenação na área de promoção comercial, a Apex foi transferida para o Itamaraty, com significativo ganho de eficiência e de redução de custos. Por outro lado, a Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex) passou a ser exercida pelo Itamaraty e a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), instrumento de soft power do Brasil no exterior, começou a ter toda a sua atuação revista para poder oferecer seus serviços na América Latina e na África e para abrir a porta a exportações brasileiras.

Pela primeira vez, o Itamaraty e o Ministério da Defesa discutiram formas de ampliar a coordenação e a colaboração nas ações externas. Reunião entre os ministros José Serra e Raul Jungmann definiu áreas prioritárias para o trabalho conjunto. Temas específicos, como os do entorno estratégico (Conselho de Defesa da Unasul), a defesa das fronteiras, operações de manutenção da paz, Atlântico Sul e África passarão a ter uma coordenação mais efetiva.

Em termos de política propriamente dita, o Itamaraty iniciou entendimentos para retirar o Brasil do isolamento dos entendimentos comerciais, acelerar as negociações Mercosul-União Europeia e aprofundar os entendimentos com os países sul-americanos e com o Canadá. O Mercosul passou a ser tratado de maneira objetiva e de acordo com os interesses brasileiros, com vista ao relançamento do grupo e à retomada de seus objetivos iniciais de liberalização de comércio e abertura de mercado. A política ideológica em relação à Venezuela, um dos membros do Mercosul, foi modificada, com a suspensão daquele país pelo descumprimento dos compromissos assumidos no Protocolo de Adesão de 2006.

O Brasil deu novas ênfases ao relacionamento com os países vizinhos sul-americanos, em especial com a Argentina, o México, o Chile e a Colômbia, e, ensaiando alguns passos para avançar na ideia de liderança regional, voltou a dar prioridade aos projetos de integração em infraestrutura, sobretudo quanto à Hidrovia Paraná-Paraguai, que inclui Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai, e à ampliação da cooperação com a Aliança do Pacífico. Por iniciativa brasileira, realizou-se a primeira reunião de ministros do Cone Sul sobre tráfico de drogas, armas e contrabando.

Nas Nações Unidas e em outros órgãos especializados, o Brasil voltou a participar de forma mais ativa do debate sobre temas globais, como os dos direitos humanos, meio ambiente e terrorismo.

As relações com os EUA voltaram a ter a atenção que a principal potência global deve merecer para a ampliação do comércio e a atração de investimentos, ao lado da cooperação nas áreas de meio ambiente, inovação, imigração e energia. O Itamaraty acompanha de perto as novas políticas da administração Trump e estuda formas de aumentar a cooperação com os EUA em áreas de interesse, como a utilização da Base de Alcântara e a renegociação do acordo de salvaguarda tecnológica, que tornariam possíveis investimentos de empresas norte-americanas na área espacial.

Especial atenção está sendo dada à relação com os países asiáticos, em particular com a China. Foram iniciadas conversas exploratórias com o Japão e a Coreia do Sul para a negociação de acordo comercial. A Apex criou um grupo especial para promover a expansão e diversificação das exportações brasileiras para aquele país. Na área agrícola, missão comercial liderada pelo ministro da Agricultura ampliou os contatos e abriu mercados nessa região.

Na Europa, além do acordo de livre-comércio em negociação com a União Europeia, foram iniciados os entendimentos com a Efta e, mais recentemente, com o Reino Unido, para a eventual negociação de acordo de comércio.

O relacionamento com o Brics, integrado por Índia, Rússia, China, África do Sul e Brasil, passou a merecer atenção especial com o aprofundamento do relacionamento bilateral com cada um de seus membros e com o Banco de Desenvolvimento do grupo.

O perfil baixo, como é tradição no Itamaraty, pode dar a impressão de que pouco tem sido feito, mas uma primeira avaliação registra avanços em relação aos últimos 15 anos na atuação externa. Muito ainda está por ser feito para o Brasil poder melhor responder aos desafios resultantes das profundas transformações do sistema internacional. Como uma das dez maiores economias do mundo, o governo, com visão de futuro, terá de formular políticas para aumentar a projeção externa do País, elevar seu perfil e sua influência regional e se reinserir plenamente nos fluxos dinâmicos da economia e do comércio internacional.

* PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DE COMÉRCIO EXTERIOR