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Opinião|A política externa entre a continuidade e a mudança

Atualização:

Qual será a política externa do novo governo Dilma? Passados dois meses da posse, ainda não se sabe. O segundo mandato de um mesmo governo tenderia a reforçar a continuidade, em vez da mudança. Desta vez, no entanto, a correção de rumos, em setores relevantes, deverá impor-se, por boas razões de ordem externa e interna. O intercâmbio com os Estados Unidos continuará a melhorar, especialmente à luz da projetada visita da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos. A indagação que subsiste, contudo, é se os avanços serão suficientes para remover a desconfiança recíproca, que tem impedido um relacionamento mais amplo entre os dois países. As relações com a China são boas e assim deverão continuar, porque estão ancoradas em expressivo intercâmbio econômico. Mas deverão enfrentar um desafio novo, pelo deslocamento de empresas brasileiras por investimentos chineses nos países andinos e pelas preferências dadas pelo governo argentino a investimentos e exportações chinesas para a Argentina, em detrimento do Mercosul. O multilateralismo continuará a ser um eixo central da diplomacia brasileira, como sempre foi, mas terá de ser qualificado pela nova configuração multipolar do poder. O xadrez das grandes decisões não será jogado em Nova York ou em Genebra, mas em Washington, Pequim, Bruxelas (ou Berlim) e Moscou. O Brics perdeu a relevância econômica que inspirou a sua criação, sem ter alcançado o peso político necessário para influir sobre a reforma da governança mundial. As relações entre os sócios são relevantes, mas não necessariamente a instituição. Ao lado dessas linhas de continuidade, entre outras, a nova realidade internacional impõe mudanças, especialmente no Mercosul, na América do Sul, na política comercial, sem falar na modernização das relações com a África. O Mercosul é, paradoxalmente, o principal fracasso da política externa na última década. Não se trata apenas da redução de sua participação relativa no conjunto do comércio exterior brasileiro. Não vem apenas das crescentes restrições da Argentina às exportações brasileiras. Não decorre apenas do risco de inadimplência da Venezuela em sua gigantesca dívida com o governo e as empresas brasileiras. Não está só nos empecilhos para a negociação de acordos de comércio com países fora da zona. Vem, sobretudo, da tolerância do Brasil às reiteradas violações das regras do comércio. Da falta de observância dos requisitos para a adesão da Venezuela ao Mercosul. Da indiferença ante práticas antidemocráticas no cerceamento da liberdade de expressão e na perseguição a adversários políticos. Está, em suma, no distanciamento progressivo dos princípios que inspiraram o Tratado de Assunção, que eram a integração entre democracias e economias de mercado. A banalização do arbítrio levou à desvalorização das regras. Não existem regras onde elas não forem cumpridas. Agora, quando importantes sócios do bloco enfrentam sérios desafios econômicos e políticos, que credibilidade terá o Mercosul para servir de amparo à solução de possíveis crises em nossa vizinhança? A agonia do Mercosul aprofundou-se ano a ano sem que o Brasil tivesse sido capaz de formular e colocar sobre a mesa uma visão integradora e apontar um rumo claro. O imobilismo, quando não o retrocesso, do Mercosul, comprometeu a integração sul-americana, uma bandeira tradicional da diplomacia brasileira. Hoje esse objetivo virou uma retórica vazia, sem aderência à realidade. O Brasil hesitou em assumir na região a liderança que seus vizinhos e parceiros esperavam dele. Em vez da integração, caminhamos para a divisão da região por uma nova linha de Tordesilhas, que separa o Mercosul da Aliança do Pacífico. De um lado, a crise fiscal, a inflação, a recessão e o déficit externo; de outro, mais do que a simples integração comercial, a convergência de políticas econômicas e a abertura em relação às economias do Pacífico, que deverão constituir o polo dinâmico da economia mundial do século 21. A diplomacia brasileira terá de superar o fantasma da presença do México na Aliança do Pacífico e promover uma efetiva negociação entre os dois grupos, de modo a sustar a crescente fragmentação no continente sul-americano. No plano interno, as medidas anunciadas pela equipe econômica apontam para uma nova direção da economia, para a busca da produtividade e da competitividade de modo a restaurar o crescimento. A política externa, especialmente a comercial, não poderá dissociar-se do rumo do País. Ao contrário, terá um papel relevante a desempenhar na ampliação dos acordos bilaterais e regionais, assim como na liberalização do comércio e dos investimentos externos. Por fim, o fracasso na negociação do acordo com a União Europeia poderá representar uma grande oportunidade perdida. Poucas regiões têm com o Brasil afinidades e convergências tão significativas quanto a Europa. A assinatura de um acordo Mercosul-União Europeia ou, mais realisticamente, num primeiro momento, Brasil-União Europeia seria o instrumento apropriado para consolidar e expandir a parceria com a Europa, esta, sim, estratégica. Depois de mais de dez anos de negociação, corremos o risco de morrer na praia. Mais do que isso, a relação pode azedar em face da reclamação da União Europeia na Organização Mundial do Comércio (OMC) questionando os principais mecanismos da política industrial brasileira, exatamente no momento em que a evolução da economia tenderá a remover ou atenuar naturalmente as medidas questionadas É hora de as recriminações recíprocas cederem lugar à grande política, de modo que a busca do entendimento prevaleça, em ambos os casos. *Sergio Amaral é diplomata e foi ministro da Indústria e do Comércio Exterior 

Opinião por Sergio Amaral