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A qualidade da energia

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Por Redação
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A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está criando um indicador para avaliar a qualidade da distribuição de energia. Nos casos em que o serviço não atingir um mínimo de qualidade, pretende aplicar um redutor nas tarifas cobradas pelos fornecedores, anunciou o diretor do órgão regulador, Julião Coelho, em entrevista ao Estado (19/10). A medida se justificaria diante da falta de investimentos e das interrupções do fornecimento de energia, que provocam graves prejuízos às empresas e às famílias.A Aneel quer criar um novo índice, denominado Xq, capaz de aferir a evolução da qualidade do serviço. "Se a concessionária deixar de realizar investimento, no reajuste vamos identificar isso e reduziremos a tarifa, caso a qualidade (do serviço) tenha se deteriorado", disse Coelho. Hoje, os reajustes das tarifas ocorrem anualmente, com base em índices de inflação, havendo uma revisão a cada quatro anos. A tarifa é reavaliada pela Aneel com base em indicadores de investimento e de produtividade das distribuidoras de energia.O indicador proposto introduz um novo parâmetro para a determinação do reajuste tarifário. Ele permitirá, segundo a reportagem, rever a tarifa em prazos de apenas um ano. A Aneel quer coibir uma prática de várias empresas do setor: a de dar preferência à distribuição de dividendos aos acionistas, em detrimento de investimentos imperativos para a manutenção e a expansão dos serviços.Nos últimos anos, com a aceleração do ritmo de crescimento da economia e o aumento do número de consumidores de energia, os colapsos no fornecimento tornaram-se mais frequentes e mais prolongados em todo o País. Por isso, a nova regra é defendida pelo diretor técnico da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Luciano Pacheco. Em artigo no Estado (20/10), ele mostrou que bastam interrupções de curta duração e variações na tensão de fornecimento para provocar impactos na produção industrial comparáveis aos de "apagões de várias horas". O anúncio da Aneel pode ser um sinal de exaustão dos mecanismos de punição existentes, como as multas aplicadas em escala crescente pela agência e por órgãos reguladores estaduais. No primeiro semestre, a Aneel impôs às concessionárias o pagamento aos consumidores de R$ 163,77 milhões, a título de ressarcimento por prejuízos decorrentes de colapsos energéticos. Mas o montante foi apenas 7,4% superior ao do primeiro semestre de 2010 e em muitos casos não compensou os prejuízos que tiveram os consumidores que deixaram de trabalhar ou estudar por falta de energia ou perderam negócios devido a colapsos. E, se o consumidor tiver de recorrer à Justiça para se ressarcir, não pode esperar uma solução rápida.A fixação de novos limites para os indicadores de qualidade aplicados pela Aneel está em audiência pública, abrangendo as companhias CPFL Piratininga, Elektro, Bandeirante, AES Eletropaulo, Coelce e CEA. É tarefa rotineira, que ocorre nos anos de revisão tarifária periódica das empresas.As distribuidoras manifestam preocupação com a mudança das regras da Aneel. O presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Fonseca, entende que as empresas serão duplamente punidas, pois já pagam as multas. Além disso, estão sujeitas à redução da taxa de remuneração dos ativos, de 9,95% para 7,15%, e ao aumento do repasse para o consumidor dos ganhos de produtividade, o chamado Fator X, de 0,4% para 3,3%. Com lucros menores, o investimento tende a cair, avalia a Abradee.Ainda que a Aneel tenha o poder de alterar as regras de avaliação da qualidade dos serviços, não se deve afastar a hipótese de que as distribuidoras contestem judicialmente as mudanças, contrariarem os termos dos contratos de concessão.Que é preciso melhorar os serviços e o fornecimento, não resta dúvida. Mas o resultado final das iniciativas da Aneel não pode ser um retardamento ainda maior dos investimentos. Afinal, o mais caro dos serviços é aquele que não está disponível.