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Opinião|A quem não sabe aonde ir...

Atualização:

"A quem não sabe aonde ir qualquer caminho é caminho"Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão

A frase de Joaquinzão me vem à memória quando observo a desorientação que se apossou do governo Dilma Rousseff. Perdido como se encontra, qualquer caminho é caminho.

Quem acompanhou a vida sindical no período compreendido entre 1964 e 1988 se lembra de Joaquim dos Santos Andrade (1926-1997), combativo presidente dos metalúrgicos de São Paulo. Joaquinzão surgiu como interventor no Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos em março de 1964, nomeado pelo Ministério do Trabalho, após a cassação de dezenas de sindicalistas de esquerda, substituídos por gente de confiança do regime.

Diferenciava-se dos demais por se vestir com apuro: não abdicava do terno bem cortado, da camisa branca, discreta gravata, calçado preto de bico fino. Em reuniões com empresários, representantes do Ministério do Trabalho e assembleias de trabalhadores argumentava de forma convincente porque, além de perspicaz, estudara em bons colégios. Conservou-se à frente do sindicato durante oito mandatos e morreu pobre. No túmulo em que foi sepultado poderia estar escrito: "Não fui corrupto nem protegi a corrupção".

O que foi feito de dirigentes da época de Joaquinzão, como Olavo Previatti, Antonio Chamorro, Hércules Corrêa, Lindolfo Silva? Desapareceram e com eles, o que restara de ideológico nas disputas entre esquerda e direita. Coube a Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, a invenção do peleguismo (1937-1945). O sagaz político dominava a arte da manipulação das entidades patronais e profissionais. Em torno dele circulavam, como marionetes, direitistas, comunistas, socialistas, petebistas, submissos ao "pai dos pobres". Hoje as posições se inverteram, é a CUT que dá ordens ao Planalto.

Nascido em berço sindical, o PT proclamava ter vindo ao mundo para conduzir a classe trabalhadora à terra prometida. Sob o governo petista seria acelerado o desenvolvimento, os salários estariam valorizados e milhões de empregos inundariam o mercado de trabalho, desequilibrando a balança da oferta e procura em benefício do operariado.

Documento elaborado pela Executiva Nacional em agosto de 1996, então presidida por Vicente Paulo da Silva, registrava que a CUT foi fundada em 28 de agosto de 1983 reivindicando a liberdade de organização sindical, repudiando o imposto sindical e enfrentando a legislação antigreve e a interferência da Justiça do Trabalho, isto é, com uma clara orientação de retirar do Estado todos os mecanismos com os quais este exercia a tutela sobre os sindicatos desde a década de 40 (o sistema corporativista de relações de trabalho).

Nesse mesmo documento a CUT dizia: "Através da unicidade sindical compulsória e do conceito de categoria profissional, o Estado impõe aos trabalhadores a representação de estrutura sindical oficial. Nela o sindicato detém o monopólio de representação nas negociações coletivas, o poder de recolher o imposto sindical e de aplicar a taxa confederativa sobre os trabalhadores da categoria independentemente de sua representatividade".

A fim de levar adiante os compromissos da CUT, como presidente da República Lula instalou o Fórum Nacional do Trabalho em solenidade no Palácio do Planalto no dia 29/7/2003, quando afirmou ser necessário "adequar tanto a estrutura sindical quanto a legislação trabalhista ao momento que vivemos". Disse, ainda, que o fórum poderia "permitir que encontremos uma forma de organização sindical mais moderna, mais adequada, que o trabalhador não seja obrigado a estar filiado a um sindicato apenas porque a lei diz que ele deve estar filiado àquele sindicato, sendo que aquele sindicato não representa condignamente os trabalhadores".

Na exposição de motivos da PEC n.º 369/05, remetida pelo presidente Lula ao Congresso Nacional, o então ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, escreveu: "A Reforma da Legislação Sindical é um dos mais caros compromissos de mudança desta gestão, em função do atraso estrutural das normas vigentes".

O que foi feito dos ideais que levaram à fundação do PT? À frente do Poder Executivo durante 12 anos, e com ampla maioria no Poder Legislativo, jamais cumpriu os compromissos assumidos na esfera trabalhista. Os resultados do esquecimento podem ser vistos no Relatório Anual da Justiça do Trabalho, à disposição de quem desejar consultá-lo no site www.tst.jus.br. Analisem-se os números relativos aos processos que a cada ano são ajuizados. Embora revelem o elevado grau de eficiência desse órgão do Poder Judiciário, atestam, por outro lado, que as relações entre empregados e patrões se acham contaminadas por elevadíssimo nível de insegurança jurídica.

Joaquinzão nunca se propôs a organizar as classes trabalhadoras sob a bandeira da modernização do sindicalismo. Modesto, cuidava dos problemas salariais, não pretendendo ser o redentor da classe trabalhadora ou reformador da CLT.

O Brasil encontra-se em crise. A responsabilidade cabe à incapacidade do governo petista de realizar as necessárias reformas, à incompetência, ao desperdício de dinheiro público, à corrupção. A elevação dos preços, a desindustrialização e o desemprego assolam aqueles a quem o PT ofereceu o paraíso. Cerca de 250 mil foram demitidos em consequência do escândalo da Petrobrás. A Mercedes-Benz desligou 500 operários e conta com 1.200 excedentes (Estado, 18/4).

Não traço paralelo entre Joaquinzão sindicalista e Lula presidente da República. São personalidades únicas de períodos distintos da História. Joaquinzão, entretanto, era homem de palavra.

*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho 

Opinião por Almir Pazzianotto Pinto