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A razão falou mais alto

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Por Redação
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No apinhado salão vizinho, no primeiro andar do Hotel Intercontinental de Genebra, uma banda animava o baile tocando a todo volume Ring of Fire, sucesso de Johnny Cash desde 1963. Do outro lado da parede, a hostess, baronesa Ashton de Upholland, tentava acompanhar, em meio ao barulho ensurdecedor, o que diziam uns aos outros sete circunspectos senhores ali reunidos para a terceira fase de uma reunião que na madrugada de domingo passado entrava pelo quinto dia. Às 3 horas, a festa ao lado seguia animada, mas o grupo estava pronto para se dispersar, trocados sorrisos, apertos de mão e abraços. Comissária da União Europeia para Assuntos Internacionais, a baronesa acabara de compartilhar um acontecimento histórico, para o qual contribuíra com serenidade e espírito conciliador. Os chanceleres dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU - EUA, Rússia, França, Grã-Bretanha e China - mais a Alemanha haviam assinado com o colega iraniano o primeiro acordo com chances de vingar sobre o programa nuclear de Teerã. E, pela primeira vez desde a ruptura de relações provocada pelo advento da República Islâmica, há 34 anos, EUA e Irã, representados pelo secretário de Estado John Kerry e pelo ministro do Exterior Mohammad Javad Zarif, assinaram um acordo diplomático, depois de um ano de tratativas secretas.Preliminar, o documento de quatro páginas está sujeito a uma profusão de riscos nos seus prorrogáveis seis meses de validade, a começar da intenção de setores ultramontanos do Congresso americano, em parceria com o lobby israelense do qual são beneficiários, de aprovar uma nova rodada de sanções ao Irã, na insana expectativa de levá-lo a abandonar de vez as suas atividades nucleares. A se consumar, a enormidade "descarrilará esse primeiro passo promissor e poderá desfazer a própria coalizão que tornou possíveis as sanções já adotadas", reagiu o presidente Barack Obama. Enquanto o pior não vem, o que daria à linha-dura da teocracia iraniana o pretexto dos céus para desfazer o trato sem precedentes com o Grande Satã, é impossível não se congratular com os governos signatários pela proeza alcançada - um triunfo da razão. O novo presidente do Irã, o reformista Hassan Rohani, autorizou Zarif a abrir mão de uma demanda que ajudou a travar a conferência anterior, no começo do mês. O Irã deixou de exigir que as potências ocidentais reconhecessem explicitamente o seu direito de enriquecer urânio - o aumento do teor do componente físsil do material para 3,5% (geração de energia), 20% (pesquisas médicas) e 95% (a bomba). Numa vitória dos EUA, a questão ficou de ser "mutuamente definida" no futuro.Teerã também cedeu à exigência da França para interromper as obras da usina de Arak à base de água pesada e urânio natural. Quando viessem a dominar a tecnologia de reprocessamento do combustível remanescente, os iranianos ficariam em posse de outra matéria-prima da bomba: o plutônio. Em compensação, apesar dos estridentes protestos de Israel, o Irã pode manter intactas as suas 11 mil centrífugas em condições de uso (de um total de 16 mil) para enriquecimento de urânio. De outra parte, o país concordou em congelar nestes seis meses o seu estoque de 7,1 toneladas de urânio purificado a até 5%. E, o mais importante de tudo, os seus 196 quilos a 20% serão inutilizados.Em troca, o Irã conseguiu um respiro de US$ 6 bilhões a US$ 7 bilhões. Destes, cerca de US$ 4,2 bi são rendas do petróleo congeladas no exterior. Isso representa uma fração das reservas a que o país deixou de ter acesso por ter sido suspenso do sistema de transações financeiras internacionais - uma catástrofe para a sua economia. O essencial é que, se for cumprido, o chamado "Plano de Ação Conjunta" criará um clima de confiança para acordos mais ambiciosos. O Irã continuará a ser um país com tecnologia nuclear, mas estritamente vigiado (e recompensado) para não buscar a bomba. O perigo é a inimiga Arábia Saudita fazer a sua, com os bons ofícios do Paquistão. Já bastam, no Oriente Médio, os 100 ou 200 artefatos israelenses não declarados.