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A recessão e os tribunais

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Por Redação
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O agravamento da crise econômica provocou uma explosão de processos judiciais de recuperação de empresas. Só em 2015, as recuperações judiciais totalizaram 1.256 – 50% a mais do que o registrado no ano anterior. No primeiro bimestre de 2016, o número dessas ações cresceu 116%, com relação ao mesmo período de 2015. E, por causa da queda nas vendas, receita em declínio e alto nível de endividamento das empresas, esse porcentual deverá subir ainda mais.

Segundo levantamento da Economática, empresa especializada em informação financeira, feito em 70 companhias de capital aberto, a margem líquida – indicador que mede o quanto das vendas se converte em lucro – recuou, em 2015, aos mesmo níveis de 2003. Como muitas dessas companhias contraíram empréstimos bancários entre 2012 e 2013 e as dívidas estão vencendo num cenário de recessão, os tribunais esperam novas ondas de recuperações judiciais. A agência Standard & Poor’s, a primeira que retirou o grau de investimento do País, estima que o total das dívidas a vencer das empresas por ela monitoradas, até 2017, é de R$ 24 bilhões. “Muitas companhias fizeram captações quando o Brasil era grau de investimento. Agora terão de renegociar num quadro de rating rebaixado”, dizem os diretores da agência.

Por isso, nos meios jurídicos e empresariais a dúvida é saber se o Judiciário está preparado para aplicar a Lei de Recuperação de Empresas, cujas normas exigem conhecimento altamente especializado em administração. Em vigor desde 2005, ela foi concebida para substituir uma legislação editada em 1945, quando o País dava os primeiros rumos à industrialização. A principal característica da Lei de Recuperação de Empresas foi uma mudança radical de conceitos em matéria de direito comercial.

Voltada para as condições de armazéns de secos e molhados e de pequenas empresas familiares, a Lei de Falências e Concordatas de 1945 limitava-se a fixar regras para o fechamento de empreendimentos insolventes e critérios para que os credores pudessem ressarcir seus prejuízos. Por isso, à medida que o parque industrial se consolidava e o Brasil expandia o setor de serviços, a lei deixou de propiciar soluções satisfatórias para as empresas, para o sistema financeiro e para o Fisco. Já a lei de 2005, ao procurar preservar empregos, marcas, equipamentos e direitos dos credores, não se concentra na solução mais drástica, a falência. Com o objetivo de garantir a sobrevivência de empresas em dificuldades e evitar o retalhamento de seus ativos, ela acabou com a figura da concordata e introduziu, entre outras inovações, um mecanismo judicial que permite a discussão, durante um determinado período, de um plano de recuperação com todos os credores – inclusive os trabalhadores e as autoridades fazendárias.

Só após esse prazo é que, não havendo acordo, os credores poderão impetrar ações de cobrança e os tribunais poderão decretar a falência da empresa. A lei também prevê condições especiais de pagamento, cisão, incorporação, transformação de sociedade, constituição de subsidiárias, cessão de ações, substituição de executivos, aumento de capital e formação de cooperativas de empregados.

Assim, para dar resultados, a Lei de Recuperação das Empresas depende de um trabalho menos formalista e mais técnico por parte dos tribunais. Na medida em que as negociações envolvem especialistas em finanças, marketing, recursos humanos, design, logística e produção, os juízes têm de saber ler balanços, entender o que é fluxo de caixa e compreender as implicações econômicas das decisões que terão de tomar. Quando a lei entrou em vigor, o Judiciário não dispunha de magistrados com esse tipo de formação nem quadros técnicos para assessorá-los. Por sugestão do Conselho Nacional de Justiça e da área econômica do Executivo, muitos tribunais patrocinaram cursos de especialização e abriram concursos para contratar técnicos especializados. Agora é a hora de ver se essas medidas deram resultado e se os juízes especializados em recuperação judicial estão à altura de sua função, no momento em que o Brasil enfrenta a maior crise de sua história.