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A Rio+20 na hora errada

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Por Redação
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Sobrou ambição e faltou realismo ao governo brasileiro, ao insistir na realização da Conferência Rio+20 num dos piores momentos da maior crise econômica desde a Grande Depressão dos anos 30 do século passado. Nem a anfitriã do encontro, a presidente Dilma Rousseff, pôde concentrar-se tanto quanto deveria nas negociações sobre os grandes temas ambientais. Teve de ir ao México para uma dramática reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20), na segunda e na terça-feira, e de lá voltar às pressas para abrir oficialmente os trabalhos no Riocentro, onde negociadores de dezenas de países tentavam esquecer as questões mais urgentes da economia global para discutir compromissos de longo prazo de política ambiental. Ausências notáveis confirmariam, se isso fosse necessário, a má escolha do momento. Faltaram, entre outros, o presidente americano, Barack Obama, a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro japonês, Yoshihiko Noda, o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, e a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde. A diretora do FMI havia prometido comparecer e divulgou o discurso preparado, mas desmarcou o compromisso, afinal, para participar de uma reunião na Europa, onde as atenções se voltavam para a formação do novo governo grego e para os problemas fiscais e bancários de duas das maiores economias da região, a espanhola e a italiana. Pelo menos um funcionário brasileiro, o diplomata Carlos Augusto Cozendey, assessor internacional do Ministério da Fazenda, mostrou ter os pés no chão ao comentar um dos aspectos mais frustrantes da conferência. "Eu não participei diretamente das negociações", disse o diplomata, "mas é evidente que toda a discussão de financiamento internacional - no sentido de financiamento concessional ou de ajuda ao desenvolvimento - está contaminada pela crise."Países tradicionalmente envolvidos na cooperação internacional "estão hoje com uma situação fiscal muito difícil", lembrou o funcionário, chamando a atenção para mais um detalhe aparentemente esquecido, apesar de evidente, por vários negociadores. Políticas ambientais têm custos e muitos países carecem de recursos para sustentá-las. O presidente do Equador, Rafael Correa, declarou-se disposto a suspender parcialmente a exploração de petróleo, se o seu país for pago para isso. Quem estaria disposto a custear essa e outras políticas, neste momento? A presidente Dilma Rousseff criticou a tendência de vários governantes de concentrar a atenção nos desafios de curto prazo, agora, deixando para mais tarde compromissos de longo alcance para a preservação da natureza e para a mitigação de graves problemas sociais. É politicamente correto aplaudir essa retórica, atribuindo visão curta a esses políticos. Mas os problemas sociais mais graves, hoje, são vinculados a questões muito mais prosaicas e urgentes que os desafios ambientais.O desemprego está em torno de 10% na União Europeia e supera 22% na Espanha e na Grécia. A fome agravou-se nos países pobres importadores de alimentos, porque os preços, apesar de algum recuo nos últimos 12 meses, permanecem elevados. A estagnação na Europa, a perda de impulso nos Estados Unidos e o arrefecimento da atividade chinesa afetam o comércio mundial e podem contaminar os países exportadores de matérias-primas, como o Brasil e vários sul-americanos. Diante desses dados, é perda de tempo discutir se o documento resultante da Rio+20 é ambicioso, moderado ou tímido. Um pouco de bom senso resolve o problema: saiu a declaração conjunta possível nestas circunstâncias. Poderia ser um pouco melhor ou pior, mas não muito diferente. Ongueiros podem protestar, bater bumbo e desfilar seminus, gritando slogans sobre o ambiente, a sexualidade, a legalização das drogas, a reforma das regras contábeis e a popularização do cricket na América do Sul. Pessoas com mandato e com responsabilidade pública não têm essa liberdade. Nenhum político sério pode exigir da Rio+20 mais do que foi produzido. Mas pode lamentar a escolha do momento para sua realização.