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Opinião|A supremacia da Carta Magna e o impeachment

Atualização:

A Constituição federal prevê o impeachment do presidente da República se ele cometer crimes de responsabilidade. E os define como atos que atentem contra ela própria, especialmente contra “a lei orçamentária”, “a probidade na administração”, “o cumprimento das leis e das decisões judiciais” e “o livre exercício do Poder Judiciário e do Ministério Publico”, dentre outros (artigo 85, incisos I a VII). A Constituição, portanto, deve ser cumprida. O impeachment, no regime presidencialista, é a solução constitucional para graves crises políticas provocadas por atos do Presidente da República atentatórios à Constituição. Ele é, para usar a expressão do professor Lawrence Tribe, de Harvard, “the ultimate remedy” para garantir a República.

Por essas razões é que, no Brasil, houve o impeachment do presidente Fernando Collor, em 1992, em razão das práticas ilegais de captação de dinheiro na campanha eleitoral para a Presidência, no pleito de 1989. Apesar de ter sido absolvido pelo Supremo Tribunal Federal da prática de crime comum, por insuficiência de provas, Collor foi condenado pelo Senado Federal por crimes de responsabilidade. E renunciou ao cargo quando já iniciado o julgamento pelo Senado, após autorização pela Câmara dos Deputados. O vice-presidente Itamar Franco assumiu a Presidência da República. Collor foi julgado e condenado pelo Senado pela prática de crimes de responsabilidade contra “a probidade na administração” e “a segurança interna do País” (Constituição, artigo 85, incisos IV e V) e por “infração de lei federal de ordem pública” e “procedimento de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”, tipificados na Lei n.º 1.079/50, a lei especial mencionada no § único do artigo 85 da Carta Magna. Tudo conforme consta da Resolução n.º 101, de 1992, do Senado.

Nos EUA, por questões análogas, houve o impeachment do presidente Richard Nixon, em 1974 – por sua conduta de se engajar pessoalmente e por intermédio de seus subordinados na obstrução das investigações do conhecido escândalo Watergate, a invasão clandestina da sede do comitê eleitoral do Partido Democrata em Washington DC, durante a campanha presidencial para sua reeleição, em 1972. Apesar de não haver acusação de crime comum contra Nixon, ele foi submetido a processo de impeachment por obstrução da Justiça, violação do juramento de respeitar a Constituição e as leis do País e desobediência a notificações da Câmara dos Deputados (House of Representatives). Nixon renunciou ao cargo em agosto de 1974. O vice-presidente Gerald Ford assumiu a Presidência da República.

Se o presidente da República, em ano eleitoral e como candidato à reeleição, praticou crimes de responsabilidade, atentando contra a Lei Maior, “a lei orçamentária” e “a probidade na administração” (artigo 85, V e VI, da Constituição), ao autorizar a realização de operações de crédito vedadas e tipificadas na Lei n;º 1.079/50 e na Lei de Responsabilidade Fiscal e ao reduzir deliberadamente no final do exercício financeiro metas fiscais estabelecidas no início do ano, em fraude à lei; se, na campanha presidencial à reeleição, houve uso de dinheiro de propina “contabilizado” na Justiça Eleitoral; e se, finalmente, já no segundo mandato, houve tentativas de interferências pelo presidente ou seus subordinados em investigações criminais, em obstrução da Justiça, configurando também crimes de responsabilidade contra “o livre exercício do Poder Judiciário e do Ministério Público” e contra “o cumprimento das leis e das decisões judiciais” (Constituição federal, artigo 85, II e VII); então, não há como negar a existência de fundamentos jurídicos e políticos para o impeachment.

O impeachment do presidente da República, no Brasil, inicia-se após “admitida a acusação” contra ele pelo voto de dois terços da Câmara dos Deputados (Carta Magna, artigo 51, inciso I, c/c o artigo 86, caput). As normas constitucionais brasileiras sobre o impeachment, na verdade, reproduzem, desde o início da República no País, normas típicas do presidencialismo norte-americano (US Constitution, article 1, Section 2, 5: “The House of Representatives ... shall have the sole Power of Impeachment”). O juízo político para a admissibilidade do impeachment é, pois, exclusivo da Câmara dos Deputados.

O artigo 86, caput, da Carta de 1988 diz expressamente que, “admitida a acusação contra o presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento (...) perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.

Ao Senado compete o julgamento do impeachment, pelo voto de dois terços de seus membros, limitando-se a condenação do presidente à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública (artigo 52, inciso I e § único, da Carta Magna). Também aqui é reproduzida norma da Constituição Americana (US Constitution, Article 1, Section 3, 6: “The Senate shall have the sole Power to try all impeachments”). A palavra try refere-se a realizar o trial, isto é, o julgamento. A Constituição dos EUA estabelece que, no regime presidencialista, compete privativamente à Câmara dos Deputados (House of Representatives), onde se encontram os representantes do povo (e não dos Estados, como no Senado), o juízo político exclusivo sobre a admissibilidade do impeachment (“The House of Representatives... shall have the sole Power of Impeachment”; US Constitution, Article 1, Section 2,5). E no processo e julgamento do impeachment do presidente da República pelo Senado funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal (artigo 52, § único, da Constituição), aliás, também segundo o modelo originário do presidencialismo norte-americano.

O juízo político para a admissibilidade do impedimento é exclusivo da Câmara

*Geraldo Brindeiro é doutor em Direito por Yale, professor da UNB e foi procurador-geral da República