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A triste herança do Fies

O impacto fiscal do Fies no resultado primário de 2016 foi de R$ 7 bilhões. E, no acumulado de janeiro a maio deste ano, chega a R$ 1,4 bilhão

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Por Redação
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Sete meses depois de o Tribunal de Contas da União ter classificado como “descalabro” a gestão do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) pelos governos Lula e Dilma Rousseff, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda divulgou estudo mostrando detalhes desse episódio de calamidade administrativa – especialmente entre 2009 a 2015 – e seu impacto nas contas públicas.

Durante esse período, o número de estudantes matriculados com recursos do Fies saltou de 182 mil para 1,9 milhão – um avanço anual de 280 mil. Os anos de maior expansão ocorreram a partir de 2012, quando o governo aumentou indiscriminadamente o orçamento do Fies, levando-o a oferecer crédito farto e barato a estudantes, inclusive aos que não vinham de famílias de baixa renda. Em 2012, foram assinados 378 mil novos contratos. Em 2013, 560 mil. Em 2014, 733 mil. Em 2015, quando a economia já vinha patinando e muitos estudantes já não pagavam as mensalidades, foram firmados 287 mil novos contratos.

Além disso, o governo afrouxou as regras do Fies, chegando a ponto de permitir que jovens de 17 anos se enquadrassem nos critérios de renda mínima exigidos para a assinatura de um contrato. A consequência de tanta inépcia e irresponsabilidade foi um drástico aumento na taxa de inadimplência, que chegou a 49% dos contratos em fase de amortização, em dezembro de 2015.

Diante de tamanha oferta de crédito, falta de rigor para formalização de novos contratos e crescente deterioração do cenário econômico, a maioria das faculdades e universidades privadas passou a estimular alunos antigos e ingressantes a utilizar cada vez mais recursos do Fies para financiar seus estudos. Houve instituições que chegaram a alegar a alunos de classe média que, como a taxa de juros do Fies era baixa, para eles valia a pena assinar um contrato de financiamento estudantil e aplicar suas poupanças no mercado financeiro.

Os números do levantamento da Seae deixam claro que o Fies foi usado por faculdades e universidades para transferir para os cofres públicos o risco de inadimplência de seus alunos. E como essas instituições, aproveitando-se da falta de controle do governo, também passaram a cobrar mensalidades mais altas dos estudantes beneficiados pelo Fies, isso estimulou vários fundos internacionais a investir no setor educacional privado brasileiro, entre 2009 e 2015.

Em outras palavras, travestida de “política social” pelos governos Lula e Dilma, e concebida especialmente para dar a ambos uma bandeira eleitoral, a oferta pouco criteriosa de crédito barato por meio do Fies fez a alegria de muitas instituições particulares de ensino superior, sem qualquer preocupação do governo com o que realmente importava – a melhoria do desempenho escolar dos estudantes financiados por esse programa. Muitas universidades privadas converteram-se em verdadeiras corporações empresariais, com ações cotadas em bolsa.

Sucessor do programa de crédito educativo do regime militar, lançado em 1976, o Fies foi criado em 1999 pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Depois de ser ampliado com muita pompa e marketing eleiçoeiro pelos governos lulopetistas, ele se converteu num fator de desequilíbrio das contas públicas. Entre 2010 e 2014, os gastos do governo com esse programa pularam de R$ 1,1 bilhão para R$ 13,4 bilhões.

Para estancar a hemorragia, o governo Michel Temer reformulou integralmente o Fies. Mesmo assim, como anunciou a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, o órgão está sendo obrigado a incorporar os esqueletos do antigo Fies ao resultado primário do governo. O impacto fiscal do Fies no resultado primário de 2016 foi de R$ 7 bilhões. E, no acumulado de janeiro a maio deste ano, chega a R$ 1,4 bilhão. Essa é mais uma das heranças do modo como o lulopetismo geriu o ensino superior.