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A validade da delação premiada

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Por Redação
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O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou válida, por unanimidade, a delação premiada do doleiro Alberto Youssef, cujos depoimentos constituem um dos pilares da Operação Lava Jato. A eventual anulação dessa colaboração, solicitada pela defesa de um dos executivos envolvidos no escândalo, poderia comprometer grande parte do processo. Além disso, a decisão é especialmente importante porque sinaliza que o STF reconhece plenamente a legitimidade do instrumento da delação premiada, que vem sendo atacado por todos aqueles que, de alguma maneira, parecem temer seu poder de revelar toda a extensão do escândalo do petrolão – como a presidente Dilma Rousseff, que declarou: “Eu não respeito delator”.

O caso levado ao Supremo diz respeito a um pedido dos advogados de Erton Medeiros Fonseca, executivo da Galvão Engenharia, suspeito de participar do esquema. A defesa questionou a homologação da delação de Youssef por parte do ministro Teori Zavascki, com o argumento de que o doleiro já havia rompido um acordo de colaboração, razão pela qual ele não teria credibilidade para fazer um novo acordo.

A delação a que se referiram esses advogados foi feita por Youssef em 2004, para esclarecer o escândalo envolvendo o Banestado (Banco do Estado do Paraná) – um esquema de desvio de dinheiro e evasão de divisas que movimentou cerca de US$ 28 bilhões e transformou Youssef no “doleiro dos doleiros”, pois quase todos os doleiros do País se tornaram seus clientes. No acordo, que o deixou livre, Youssef se comprometeu a abandonar sua carreira e a denunciar sua clientela e outros bancos envolvidos em falcatruas.

Mas no ano passado Youssef foi flagrado em plena atividade e tornou a ser preso, já no âmbito da Operação Lava Jato. Decidiu assinar outro compromisso de delação premiada, agora para explicar como atuava para lavar o dinheiro desviado da Petrobrás e entregar propinas a diversos políticos.

Para a defesa do executivo da Galvão Engenharia, Youssef, ao romper o acordo anterior, provou que não é confiável e que nada do que venha a dizer pode ser levado a sério. Trata-se, nas palavras dos advogados, de um “criminoso profissional”. No entanto, os ministros do Supremo entenderam, por 10 votos a 0, que o fato de Youssef ser um criminoso e de já ter rompido um acordo com a Justiça não invalida, em princípio, sua nova colaboração. Dias Toffoli, relator do recurso, afirmou que “pouco importam as razões intrínsecas do colaborador” – o que interessa, como afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, é se o que ele diz se prova verdadeiro e útil para as investigações. Ademais, há o argumento óbvio de que só faz delação premiada quem participou de algum crime e pode, portanto, colaborar para sua elucidação. “Integrantes de organização criminosa não se qualificam exatamente como de reputação ilibada”, disse Dias Toffoli.

O ministro Marco Aurélio Mello lembrou que Youssef já foi punido por descumprir o acordo anterior: “No tocante àquela outra acusação, verificada em processo diverso, ele já perdeu os favores da lei sob o ângulo da delação, como a possibilidade de diminuição da pena e a substituição por restritiva de direitos”.

Outro aspecto importante levantado pelos ministros do STF foi o peso que as delações podem ter como prova. Nesse caso não houve consenso, mas Luiz Fux, por exemplo, argumentou que a delação é prova indiciária e, em conjunto com outras, “pode formar um complexo probatório significativo, especialmente em casos de crime de colarinho-branco”.

O resultado do debate é significativo, pois foi a primeira vez que o Supremo discutiu amplamente um acordo de delação premiada desde que esse instrumento foi regulamentado por lei, em 2013. E o resultado foi totalmente favorável a esse tipo de acordo. Embora seja necessário ter muita cautela com o que dizem os criminosos colaboradores, o fato é que as delações têm se provado um poderoso meio para entender o complexo mecanismo da corrupção que tomou de assalto o Estado e para saber quem são seus principais beneficiários.