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A valorização do magistério

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Por Redação
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A carência de professores para as disciplinas do ensino básico não decorre do número insuficiente de licenciados formados nas áreas de ciências humanas e de ciências exatas por instituições universitárias, como se imagina, mas da total falta de interesse dos formandos de seguir a carreira no magistério.Esta é a constatação de um levantamento feito pelo professor José Marcelino de Rezende Pinto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. Ele chegou a essa conclusão depois de cruzar a demanda atual do ensino básico por professores de língua portuguesa, língua estrangeira, matemática, história, geografia, ciências, biologia, física, filosofia, sociologia, educação artística e educação física com o número de formados nos cursos de licenciatura, no período de 1990 a 2010.Nessas duas décadas, o número de vagas oferecido pelos cursos de graduação nas áreas de matemática, química, biologia e letras foi três vezes superior à demanda por docentes na rede de ensino básico, afirma Rezende Pinto. Só os egressos das universidades públicas nessas áreas seriam suficientes para atender à demanda, diz ele. A única exceção é a disciplina de física, que não forma professores em número suficiente para suprir a necessidade das escolas de ensino básico.O problema é que, por causa dos baixos vencimentos, das más condições de trabalho e do desprestígio do magistério público, muitos egressos dos cursos de licenciatura não querem seguir carreira dentro de salas de aula. Preferem exercer outras funções na iniciativa privada ou na administração pública, onde ganham mais, aponta a pesquisa. Em média, o salário de um professor do ensino básico é 40% menor que o de um profissional com formação superior. Pela Lei do Piso Salarial Unificado, um professor da rede pública deveria receber R$ 1.697,38 mensais. Mas nas séries finais do ensino fundamental o rendimento médio é de R$ 1.454,00. E no ensino médio, de R$ 1.916,00.Nas disciplinas de matemática, física e química o déficit nacional é de 170 mil professores nas escolas de ensino básico, estimam as autoridades educacionais. Na rede estadual de São Paulo, 21% dos cargos estavam vagos no ano passado, com as maiores lacunas em matemática e português - esta última disciplina com falta de 7,1 mil professores."A grande atratividade de uma carreira é o salário. Mas, além da remuneração baixa, o professor tem um grau de desgaste muito grande no exercício profissional", diz Rezende Pinto, depois de lembrar que em língua portuguesa a demanda foi de 131 mil docentes, entre 1990 e 2010. No mesmo período, o número de concluintes dos cursos de licenciatura na área foi de 315 mil.O estudo do professor Rezende Pinto mostra ainda que, por causa dos baixos salários do magistério, os cursos de formação de professores têm registrado uma taxa de evasão de 30% - muito acima da média registrada em outros cursos de graduação. E também aponta para a necessidade de melhorar a qualidade dos cursos de licenciatura e de incentivar os formandos a lecionar, tornando a carreira docente mais atrativa. "As licenciaturas têm currículos frágeis, as ementas e as bibliografias são genéricas, não dando formação suficiente. As instituições não estão encarando a formação dos professores com seriedade", diz Bernadete Gatti, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas. "Os dados reforçam que a principal agenda na questão docente é a valorização do professor. A valorização é garantia de boa formação inicial e continuada, salário inicial atraente, política de carreira motivadora e boas condições de trabalho", afirma o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. Na década passada, o Brasil conseguiu universalizar o acesso ao ensino básico. Mas, por mais importante que tenha sido essa conquista, o desafio de aumentar a qualidade desse nível de ensino ainda não foi vencido - e, como mostra a pesquisa do professor Rezende Pinto, um dos gargalos estruturais está na falta de valorização do magistério.