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Opinião|A vez dos parasitas

Livrar-se deles é uma longa batalha, que já deveria ter começado há muito tempo

Atualização:

A desconexão entre realidade e “narrativa” continua sendo o elemento mais angustiante da crise brasileira. Perde-se um tempo que já não há.

O déficit público bate recordes a cada medição. O custo dos privilégios do funcionalismo continua crescendo, e não só em função da “automatização” de carreiras sem desempenho e “correções” de salários e pensões pela inflação. A festa dos aumentos reais continua em pleno velório.

Em julho a diferença entre o que entrou e o que saiu do caixa saltou 20% acima de junho (de R$ 10,02 bi para R$ 12,81 bi), sinalizando que o favelão continental em que se vai transformando o Brasil continuará se expandindo. Adiciona-se à marcha à ré dos negócios a arrecadação cessante. Estamos apenas iniciando a segunda volta no círculo e quem ainda não fechou vai de mal a pior. Pesquisa do Ibmec mostra que pelo menos metade das empresas privadas não está gerando caixa suficiente para pagar suas obrigações financeiras...

Outra pesquisa da Escola de Economia da GV constata, agora com prova científica, o que todo mundo vê a olho nu. Os funcionários públicos, indemissíveis, ganham muito mais pelo que não entregam do que seus equivalentes na iniciativa privada fazendo das tripas coração para entregar o suor, as lágrimas e o sangue que já não bastam para livrá-los do desemprego.

Isso é verdade no Brasil inteiro e é três vezes mais verdade em Brasília, onde os empregados do Estado ganham “em média” 200% mais que seus equivalentes no mundo real, número que, diga-se de passagem, está negativamente distorcido pelo fato de a pesquisa ter considerado apenas os empregados do setor privado com carteira assinada entre 18 e 74 anos. Se considerasse o Brasil real, onde criança e aposentado, cada vez mais, têm de trabalhar e carteira assinada ainda é privilégio, chegaria mais próximo dos números escandalosos que as contas da Previdência refletem. As aposentadorias e pensões do setor público, com 30 vezes menos beneficiados, comem mais de 30 vezes mais recursos que as do setor privado.

30 vezes 30! O Brasil de hoje é um clássico das piores crônicas medievais: está muito, mas muito mais pobre mesmo do que merece porque a casta que se apropriou do “reino” e o escorcha com impostos está muito, mas muito mais rica mesmo do que faz por merecer. E vai ficar ainda mais, posto que essa “nobreza” que vive acima da regra dos “plebeus” vende a ideia, que a imprensa compra sem contestar, de que será possível arrumar as coisas espremendo mais um pouco os explorados para manter intactos os privilégios dos exploradores.

O “ajuste” da Petrobrás após o estupro coletivo sofrido é um exemplo emblemático. Sob aplauso geral, ela acaba de transferir ¼ de sua gigantesca folha de assalariados, com todos os benefícios necessários para os folgares da vida nas vizinhanças da nova residência da “Honesta Dilma” na Ipanema a que estão acostumados, da conta dos seus acionistas, que também habitam a rua da praia, para a dos brasileiros dos morros que, sob a “Lei do Cão” e no meio do tiroteio, sustentam o rombo de R$ 93 bi por ano que custam, por enquanto, só os aposentados e pensionistas da União. Vai na mesma direção o novo “teto de gastos do setor público”. Como “a Justiça” garante que todos os privilégios dessa casta se tornam “imexíveis” uma vez enfiados no saco, segue, por decorrência, que só a magérrima fatia do orçamento público ainda de propriedade do povo – a dos investimentos em infraestrutura, saúde e educação – são compressíveis. E aí esta tem de ser comprimida, espremida e recomprimida para compensar o “nem um passo atrás” no território ocupado pelos “direitos adquiridos” do funcionalismo. A conta está sendo atirada inteira para os 30 vezes mais pobres e nem uma única voz se levanta para denunciar o “passa-moleque” senão a da turma da “narrativa do golpe”, que, todos muito agarradinhos “ao seu”, o faz pela metade, para confundir, para enganar e para agravar a conta.

Se concedesse pagar apenas a parcela dela que exceder os privilégios e abusos mais ostensivos, o País já estaria sendo condescendente o bastante. “Consolidar” os salários públicos na soma final dos “auxílios”, “adicionais”, “gratificações”, “abonos” e outros penduricalhos hoje incorporados às aposentadorias, mas isentos do Imposto de Renda, o que piora o déficit; acabar com as obscenas frotas de jatos e carros de luxo com seus pilotos, motoristas e pessoal de manutenção e backup; fazer com que arquem com suas residências e mordomias como todo mundo; anular os aumentos de salário autoatribuídos por atos de “autonomia administrativa” em flagrante “desvio de finalidade” são maneiras de começar a reduzir o acinte de exigir mais carne magra de cima de uma montanha de gordura. Acabar com a esbórnia das bolsas redundantes, dos “auxílios-doença” há anos sem fiscalização, dos 45 mil “pescadores” indenizados por “defeso” em plena Brasília são outras medidas comezinhas que custam bilhões e valem mais do que pesam. O desmonte das 140 estatais que só servem para o mesmo que a Petrobrás serviu; o corte das vastíssimas “assessorias” dos três Poderes pelo menos tanto quanto os brasileiros estão cortando suas compras de supermercado; com novos ares no STF, acenos de castigo para o crime e discursos de austeridade auspiciosos no ar, estas são algumas das providências imediatas cuja obrigatoriedade clama aos céus.

Menos que isso será sacrifício inútil. O Brasil violou todo os limites da matemática e não haverá acerto fora da matemática. As reformas para nos colocar na mesma distância do feudalismo que o Primeiro Mundo alcançou no fim do século 19 podem esperar por um governo eleito. Mas o povo que está começando a expulsar os ladrões pode bem começar ao menos a atacar também os parasitas e os chupins, porque livrar-se deles é uma longa batalha que depende essencialmente de expô-los persistentemente à luz do sol e já deveria ter começado há muito tempo.

*Jornalista, escreve em www.vespeiro.com