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Opinião|A visita de Dilma aos Estados Unidos

Atualização:

Amanhã a presidente Dilma Rousseff fará finalmente a visita aos Estados Unidos, anteriormente prevista para outubro de 2013 e adiada em razão das revelações de que o governo norte-americano “grampeava” a presidente brasileira. À época, o governo brasileiro divulgou nota explicando: “Os dois presidentes decidiram adiar a visita de Estado, pois os resultados desta visita não devem estar condicionados a um tema cuja solução satisfatória para o Brasil ainda não foi alcançada”. Agora a própria presidente declarou que o episódio da espionagem “é coisa do passado” e esta visita representará, segundo o Itamaraty, “a retomada do diálogo político bilateral no mais alto nível”. A visita presidencial incluirá uma passagem por Nova York, onde os temas a serem abordados certamente incluirão o ajuste fiscal brasileiro e as necessidades de investimentos em infraestrutura. Em Washington Dilma terá encontros com o presidente Barack Obama, quando ambos deverão abordar uma ampla gama de temas, dentre os quais se destaca a questão da mudança climática e a eventual retomada da cooperação em matéria de defesa. A propósito deste último, recorde-se que o acordo anterior sobre cooperação militar foi denunciado em meados da década de 1970 pelo general Ernesto Geisel, à guisa de represália pela divulgação do relatório do governo norte-americano sobre abusos de direitos humanos no Brasil. As relações entre os dois países são intensas e diversificadas, sobretudo entre atores não oficiais, como empresários, estudantes e turistas. No âmbito oficial, a relação das duas maiores nações das Américas continuam a caracterizar-se por uma indiferença benigna. É oportuno observar que o paradigma da política externa brasileira em tempos recentes se tem caracterizado pela busca de alianças regionais e extrarregionais como mecanismos reequilibradores de poder com o propósito de reduzir os efeitos da assimetria entre Brasil e EUA. Na verdade, desde o fim da guerra fria tem sido um exercício difícil caracterizar tais relações bilaterais, a despeito das semelhanças e dos valores compartilhados pelas duas maiores democracias do Hemisfério Ocidental.  Do lado brasileiro, a matriz de sua política externa pode ser encontrada no chamado nacional-desenvolvimentismo, ideologia que emergiu nas décadas de 1950 e 1960, buscou consolidar-se durante o regime militar, foi matizada na década de 1990 e ressurgiu na primeira década do século 21. A política brasileira em relação aos EUA frequentemente se tem pautado pela percepção de que a política externa norte-americana tem buscado restringir a realização de aspirações brasileiras nos planos doméstico, regional e global. Essa percepção não tem, contudo, impedido que os dois países mantenham relações amigáveis, intensas e diversificadas e tenham buscado, nos últimos anos, espaços de cooperação bilateral que, contudo, são pautados mais pelo pragmatismo que por visões estratégicas compartilhadas. No que se refere às burocracias governamentais que se ocupam das relações entre os dois países, em particular o Departamento de Estado e o Itamaraty, os dois lados dão a impressão de que continuam presos à mentalidade e às premissas que predominaram durante a guerra fria. As atenções de Washington são frequentemente percebidas como reação a questões “irritantes”, como o nacionalismo populista em alguns países da região. Assimetrias de poder e de estágios de desenvolvimento à parte, não parece haver razões que impeçam os dois principais países do Hemisfério de buscar estabelecer uma relação estratégica, positiva e importante. Além das semelhanças em matéria de tamanho territorial, demográfico e econômico, ambos compartilham valores políticos e culturais fundamentais. A sociedade brasileira, assim com a norte-americana, tem raízes multiculturais e multiétnicas; somos também um melting pot e, não obstante os problemas de inclusão social sustentável que ele enfrenta, temos uma mobilidade econômica e social raramente encontrada em outros países. Do lado de Washington, é de esperar que a importância da parceria com o Brasil receba os devidos reconhecimento e prioridade. Parcerias não excluem eventuais discrepâncias em certas questões. Na realidade, diferenças ocasionais de opiniões e percepções constituem a essência da convivência entre duas nações democráticas, onde os valores básicos predominantes são comuns a ambas. Do lado de Brasília, parece oportuno promover uma ampla reavaliação das relações com os EUA, particularmente neste novo mundo pós-guerra fria, globalizado e interdependente, onde as relações internacionais ainda estão a buscar uma nova ordem. Não será uma tarefa simples, muito menos fácil. Certamente exigirá a superação de preconceitos e de fórmulas tradicionais, muitas das quais deram certo no passado, mas hoje estão superadas em face dos novos desafios do já citado mundo globalizado e interdependente.  Vale citar, a propósito, um texto do insuspeito historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira sobre as relações Brasil-EUA: Os Estados Unidos e o Brasil representam as duas maiores massas geográficas e demográficas e, não obstante a enorme assimetria, são as duas maiores potências econômicas do Hemisfério Ocidental. Esse dado determina certa convergência de interesses e a necessidade de cooperação nos mais diversos setores. O Brasil e os Estados Unidos necessitam, portanto, conservar boas relações e estabelecer entendimentos, quaisquer que sejam as tendências de seus respectivos governos ou atritos econômicos e políticos. As relações com os Estados Unidos, que por muitos anos ainda será a maior potência econômica, militar e tecnológica do mundo, certamente terão um papel importante para que o Brasil possa enfrentar o desafio que se nos apresenta: o de aproveitar as oportunidades que surgem para promover a nossa inserção neste mundo globalizado e distanciar-se de uma vez por todas da periferia que por tanto tempo nos tem assolado.

*Luiz Augusto de Castro Neves é presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais

Opinião por Luiz Augusto de Castro Neves