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Ação conjunta contra o crack

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Por Redação
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A Prefeitura está dando sinais de que reconhece as limitações – para dizer o mínimo – de seu polêmico programa De Braços Abertos, voltado para os dependentes de drogas da Cracolândia, e por isso busca um maior entendimento com o governo do Estado, que tem programa próprio, de enfoque diferente, para o tratamento dessas pessoas. O governo do Estado enfatiza também a importância da ação policial de combate ao tráfico na região. Se essa nova linha vingar, levando a uma cooperação efetiva, poderá haver avanços na solução do problema.

A concentração de dependentes, o chamado “fluxo”, que em maio estava reduzida a 50 pessoas, voltou a crescer, atingindo 452 pessoas, como mostra contagem feita pela reportagem do Estado com base em foto aérea de um trecho da Alameda Dino Bueno, entre a Alameda Glete e a Rua Helvetia. Embora insista em que o De Braços Abertos tenha dado bons resultados, pois quando começou em janeiro de 2014 o “fluxo” era de 1,5 mil pessoas, o governo municipal admite que mudanças são necessárias. Isso porque o programa – no qual os 505 dependentes inscritos recebem hospedagem, alimentação, cursos profissionalizantes e remuneração diária de R$ 15 por serviço de limpeza, sem a obrigação de abandonar as drogas, note-se bem – esgotou sua capacidade.

O programa Recomeço, do governo do Estado, prevê o tratamento de dependentes crônicos graves por meio de internação para desintoxicação, voluntária ou compulsória, esta a pedido da família dos pacientes ou por decisão judicial, em ambos os casos com base em parecer médico. Apesar dessas diferenças, o gestor do programa municipal, Benedito Mariano, propõe uma cooperação com o Recomeço.

Para isso já foram feitas várias reuniões entre os dirigentes dos dois programas. “Estamos estabelecendo uma relação muito amistosa e de integração. Temos concepções diferentes no trato dos dependentes químicos, mas temos a dimensão (sic) de achar que um projeto completa o outro. Vemos o Recomeço como aliado e isso vai ser transformado em um termo de cooperação”, afirma Mariano. Se a proposta de acordo for aprovada pelo prefeito Fernando Haddad e o governador Geraldo Alckmin, a abordagem dos dependentes passará a ser feita em conjunto.

É uma pena que só agora, quando seu programa enfrenta dificuldades – sendo o aumento do “fluxo” apenas uma delas –, a Prefeitura se mostre disposta a desenvolver uma ação conjunta com o Estado. Se isso tivesse sido tentado antes, é provável que a situação na Cracolândia estivesse melhor. Não houve um confronto direto e aberto com o Recomeço, mas a defesa enfática da não exigência de abandonar as drogas, feita pelo De Braços Abertos, sempre soou como uma crítica velada a ele.

Crítica injusta, porque, como insiste o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador do Recomeço, não é correta a ideia de que o programa “só interna”. Lembra que há “uma linha de cuidados com etapas de reinserção, assistência social, apoio à família. Só que muitos dependentes são doentes crônicos graves e precisam eventualmente ir para clínicas de desintoxicação”. Tanto isso é verdade que agora Mariano acha que a colaboração entre dois programas não só é possível, como desejável.

Mariano pede também, com razão, a intensificação do combate ao tráfico de drogas na Cracolândia pela polícia. Essa, como se sabe desde que o problema surgiu, é uma medida indispensável para a sua solução. Em maio, o “fluxo” só foi reduzido a 50 pessoas depois de três semanas de uma ação continuada da polícia, que diminuiu sensivelmente a quantidade de crack que chegava à região.

Não há mistério. A equação do problema da Cracolândia é bem conhecida: uma combinação de assistência médica e social aos dependentes, por meio dos programas desenvolvidos pela Prefeitura e pelo Estado, e de combate sem tréguas ao tráfico. Só pode haver progresso significativo, portanto, por meio de uma ação coordenada de ambos.